quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Vida e Dor

Pode parecer curioso, ou até mesmo pessimista, mas o mais difícil da vida é viver. Como não somos árvores, pedras, nossa condição humana demanda tomada de decisões, escolhas e opções feitas mediante o exercício do livre-arbítrio. Evidente que nem todas as nossas transformações são resultado do livre-arbítrio. Ninguém deixa te ter fome, por exemplo, pelo simples exercício de escolha. Mas as decisões que se baseiam em nossa possibilidade de escolher são as que mais acabam nos causando sofrimento. Ou ainda, são aquelas que mais nos causam dor. Uma dor diferente de todas as outras. E com certeza uma dor mais sofrida que todas as outras.
O filósofo alemão Heidegger dizia que a essência do ser humano era a possibilidade de existir. Todas as coisas são, o homem existe. Ou seja, é ele quem acaba por determinar sua própria essência, mediante a existência que escolha fazer pelos comportamentos adotados. Mas, o homem só pode revelar sua essência mais profunda quando seus comportamentos refletem e manifestam esta essência. Quando seus comportamentos indicam na sua materialidade a essência espiritual. Mas quando suas condutas são contraditórias à sua natureza substancial, a dor surge como sinalizadora para transformações. Não que a dor seja arbitrária ou punitiva, mas a dor é um disparador para a felicidade, pois nos sensibiliza, pelo mal estar que causa, a reavermos nossas ações para torná-las mais adequadas ao nosso contexto. E cabe a cada um de nós descobrir qual o melhor comportamento para o presente momento, pois cada um de nós é único, singular e atribui um sentido diferenciado ao contexto circundante. Por isso a vida é tão difícil.
Voltando à reflexão inicial: o mais difícil da vida é viver. Mas como todas as outras coisas, quanto mais difíceis se tornam maior realização proporcionam. Viver é difícil. Mas viver adequadamente é felicidade.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Compartilhar Juntos!

Diversas religiões, concepções filosóficas, escolas cientiíficas e visões ordinárias quaisquer fazem alguma reflexão sobre a origem do mundo e o fato de nós, seres humanos, nele existirmos.
Alguns afirmam que o universo foi criado pronto da forma que o conhecemos, assim como fomos criados prontos os seres humanos segundo um plano divino. Outros afirmam que o universo era desorganizado e caótico até surgirem divindades para ordená-lo, sendo o ser humano também fruto desta organização. Outros, ainda, colocam o surgimento do universo como casual, dentro de uma possibilidade estatística que obedecendo à leis físicas, biológicas e químicas foram produzindo formas de vida cada vez mais complexas, dentro de um mecanismo natural de evolução material da vida, sendo o ser humano fruto deste processo. O ponto de vista espírita afirma que o espírito, princípio inteligente, é quem coordena e estrutura a matéria, sendo responsável por sua transformação mediante seu próprio aprendizado num acúmulo de conhecimento. O ser humano seria uma forma individualizada do espírito, portador do livre-arbítrio, com possibilidade do exercício moral inteligente e da reencarnação para processo cada vez maior de construção de conhecimento.
Embora cada abordagem construa uma visão de mundo explicando questões que atingem a todos nós, há um ponto comum entre todas. Mesmo que uns acreditem na vida após a morte e outros não, todos deveríamos nos encantar de estarmos vivos no período em que estamos vivos e com as pessoas com as quais estamos vivos. Sejamos um acaso da natureza, algo programado ou um espírito em exercício, teríamos uma possibilidade enorme de épocas e lugares para estarmos encarnados. E, se dentro desta vastidão de possibilidades, como no caso espírita de podermos ter reencarnado numa série de épocas, locais e momentos, estamos justamente aqui e agora e dividindo o espaço-tempo com as pessoas que também estão encarnadas aqui e agora, devemos valorizar a oportunidade de termos nos encontrado, valorizar cada encontro e tornar cada vez mais importante nossas amizades e as pessoas com as quais tanto somamos e dividimos ao longo desta nossa trajetória.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Leitura e Espiritismo

A coisa é simples assim: se você se diz espírita e lê somente obras de Kardec ou psicografadas, sinto muito, mas você não é espírita. É fácil identificar pessoas assim quando em tudo que escrevem ou dizem só citam as obras mencionadas. O Espiritismo é ciência, filosofia e religião justamente porque empreende um esforço contínuo para compreender e se adaptar ao continuum do tempo. Tudo está em permanente transformação e o Espiritismo só acompanha este ritmo atualizando sua leitura de mundo fundamentado nas novas abordagens científicas, filosóficas e religiosas.
E não me venham dizer que espírita é aquele que pratica a teoria independente do que leia. Por maior que seja a boa vontade e disciplina da pessoa, se ela for muito obtusa e sem leitura contemporânea de mundo vai se tornar uma pessoa no máximo esforçada e bem intencionada. E como dizem por aí, de boas intenções o inferno está cheio.
Claro que há pessoas simples e de uma sabedoria enorme. Mas o processo reencarnatório elucida como conseguiram atingir a massa crítica que alcançaram e demonstra qual a função dessa pessoa no local em que está encarnado. Ademais se você não é muito sábio , nem simples, e se diz espírita, trate de ler e ler de tudo, ou acabará sendo, no máximo, uma tentativa de espírita bem intencionado.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Suicídio e Espiritismo

Existem poucas pesquisas e obras acerca do suicídio. Tanto é que até hoje quando buscam se referir a ele ainda recorrem a obra de Durkheim ("O Suicídio"). Embora defasada e já datada esta obra apresenta alguns pontos ainda relevantes, como o fato de demonstrar mediante dados de pesquisa que o suicídio não decorre simplesmente de um ato puramente subjetivo, mas que também apresenta variáveis objetivas e sociais para sua efetivação. Durkheim demonstrou que em épocas de anomia social há um número maior de suicídios, buscando demonstrar que quando há falta de coesão social, com regras e condutas claras para os comportamentos, existe um processo de crise mais elevado nos indivíduos. Observando estas teses sob o olhar da complexidade levantam-se uma série maior de variáveis mas, infelizmente, o suicídio pouco foi estudado no século XX.
As obras espíritas costumam abordar insistentemente o tema do suicídio, o que gera uma contradição: se o Espiritismo se apoia na ciência e a ciência pouco estudou o suicídio, qual a autoridade dos espíritas em falar sobre ele? Nenhuma. Este é o grande problema. Os espíritas fazem alguns recortes descontextualizados de alguns trechos da obra de Kardec, se apoiam em pseudo-romances e saem por aí criticando e condenando veementemente o suicída.
O suicídio é errado? Evidente que sim! Negar uma oportunidade de crescimento e aprendizado, simplesmente desisitindo de tudo é um erro. Mas buscar combatê-lo criando o medo das suas consequências é mais cruel ainda (qualquer analogia do chamado "Vale dos Suicídas" com o inferno não é mera coincidência). Fustigar alguém que já sofre muito com táticas terroristas é um crime talvez maior que o próprio suicídio. Todos tem impresso em si o desejo pela vida, de forma que muitos suicídas em potencial falham nas suas tentativas de morrer. O que leva a pensar que para uma pessoa consumar este ato, deve estar sofrendo muito. E se há também causas sociais que concorrem para o suicídio é responsabilidade de todos a sua diminuição. E é também responsabilidade do Espiritismo, não criando obras caricatas e assustadoras, mas criando textos que enalteçam a vida, sua plenitude e forneça recursos para que cada indivíduo consiga superar suas dificuldades.
Imagine uma mãe que já perdeu um filho por suicídio ainda ter de ler um livro supostamente espírita narrando todas as agruras pela qual ele deve passar. Isso não é humano. A proposta espírita é resignificar o sentido de vida das pessoas, demonstrando através de um discurso coerente a importância de estarmos encarnados, além da importância da dor para o nosso próprio crescimento.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Súmulas Espirituais

Eu tenho falado muito nos últimos textos sobre as posturas que adotamos e em como deveríamos nos esforçar em agir mediante as referências espirituais em contrapartida daquelas ditadas pela cultura. Este tipo de afirmação pode suscitar dúvidas quanto ao conteúdo das referências espirituais. Quais seriam elas e como encontrá-las?
Primeiramente deve-se colocar que elas não são referências prontas e estáticas, as quais bastaria consultar tal qual um livro datado. Se assim o fosse, representariam uma ditadura de comportamentos que não se adaptam as novas condições existenciais. As referências não são prontas, mas devem ser construídas e interpretadas por cada indivíduo singular no seu cotidiano concreto. Entretanto, há sinalizações que indicam quais referências são corretas, espirituais. São todas aquelas que promovem o indivíduo e o meio em que está inserido, sem acarretar prejuízo para ninguém. As referências espirituais são aquelas, portanto, que preservam um sentido de pertencimento ao conjunto da vida, potencializando cada singularidade e a totalidade a que ele pertence.
Todos temos impressos dentro de nós, espíritos que somos, essas referências. Entretanto, em cada época surgem indivíduos mais preparados que expressam súmulas para contextualizarmos a nossa realidade. Assim, encontramos várias sentenças que expressam as referências espirituais:
-Quando Jesus diz: "Amar o próximo como a si mesmo";
-Quando Sócrates diz: "Só sei que nada sei";
- Quando Shakespeare diz: "Se todos fossemos tratados como merecessêmos, quem escaparia ao chicote";
- Quando Gandhi diz: "Tudo que é conquistado pela violência só pode ser mantido pela violência".
E há tantas outras, bastando atentar para os grandes pensadores e sábios de todas as épocas. Nenhuma destas súmulas representa um pensamento fechado, mas uma orientação para que cada um de nós consiga deduzir para suas necessidades o melhor comportamento a ser adotado.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Rebeldia pelo Conhecimento

Ao longo do tempo, principalmente no decorrer do século XX, muitos jovens buscaram romper com seu meio social arregimentando-se contra o "sistema" e propondo modos de vida alternativos. Pintaram e rasparam os cabelos, usaram roupas rasgadas, pregaram o amor livre, fizeram uso de drogas as mais variadas, incitaram atos de violência, chocaram de todas as formas, etc. Enfim, propuseram medidas quase que sempre radicais ou até ingênuas demais. E apesar da falta de resultados que isso ocasionou, ou até mesmo dos desastres cometidos, esta prática parece continuar mais ativa do que nunca. Se você assistiu "Transpoiting" ou já usou o Orkut ("Se nada der certo eu viro hippie" é uma das comunidades com maior número de membros) sabe do que eu estou falando. É imposta uma lógica rasteira, absurda: se você não quer fazer parte do "sistema" e se sentar em frente a um televisor de 30 polegadas enquanto engorda comendo chips, então é melhor apresentar um comportamento dementado qualquer, vivendo na marginalidade, sujo, cheio de entorpecentes e fazendo "comunhão" com a Natureza.
Há muito mais opções quando não se quer viver no raso da cultura pronta. Dentre as várias possibilidades acredito que o conceito de vontade piagetiano é o que mais se afiniza com a proposta espírita: dispender energia para agir mediante o que se alcançou pelo conhecimento vencendo os apelos imediatos biológicos e culturais. Agindo pelo conhecimento e pela busca crítica da verdade existe sempre uma possibilidade mais efetiva de enquadramento com o sentido harmônico da vida, alcançando-se uma postura transcendente à cultura pronta de massa sem com isso precisar adotar um comportamento de Tarzan.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Crenças e Orientações

Há pessoas que simplesmente não acreditam em Deus e ponto. E pensando bem dá mais trabalho acreditar do que apenas ignorar sua existência. O problema é que muitos imaginam que os ateus, pelo fato de não acreditarem em Deus, são pessoas destituídas de quaisquer valores morais e que sentem que tudo lhes é permitido. Grande engano! Existe uma série de ateus que defendem uma ética humanista pronta para defender e valorizar o ser humano. Além disso, há uma série de religiosos e crentes em Deus que agem por motivos completamente contrários às suas crenças, não deixando de se portar como pessoas completamente amorais ou imorais.
O que parece unir tanto religiosos quanto ateus é o fato de a grande maioria deles agir mais pelo comodismo do que por suas crenças, de modo que não há ateus muito niilistas ou religiosos muito convictos. Ambos não avaliam criticamente seus pressupostos e parecem agir da maneira que lhes é mais conveniente. Assim, não encontramos indivíduos dispostos a tudo fundamentados na verdade em que alcançaram, mas pessoas que se esconderam atrás de vidas medíocres para que não tenham muito que se preocupar com o real sentido de suas vidas. Arranjam o casamento mais simples, o emprego mais razoável e os hábitos mais comuns e condizentes com suas culturas. Não que haja algo muito errado nisso, pois todo ambiente proporciona muito aprendizado. O grande problema é que muitos se escondem nestas práticas diárias de modo a amortecer um sentimento interno espiritual que sempre nos provocaa evoluir e buscar o novo.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Nossas Certezas

As nossas convicções não devem representar uma camisa- de -força que reduzam toda a realidade a um modo único e possível de interpretação. Mas devem servir para fundamentar uma interpretação sendo flexíveis no tempo e no espaço, além de poderem ser descartadas e trocadas quando se mostrarem insatisfatórias.
Mesmo aquelas convicções que nos são mais certas devem ser permanentemente renovadas. É quando passamos por uma crise ou dificuldade que se percebe a necessidade de dinamizar ou não uma certeza.
Quando passamos por um problema, as vezes questionamos os recursos que temos para resolvê-lo. Questionamos se as convicções que nutrimos servem para superar as dificuldades que se apresentam. E o que pode ocorrer, não é abandonar a convicção, mas de refiná-la tornando-a mais aprofundada, clara e funcional. Tanto isso é verdade que quando estamos em dificuldades recorremos a pessoas que tenham crenças próximas as nossas, como se quiséssemos com isso, no encontro com o outro, reforçar nossa própria convicção. Só que como o olhar do outro sobre o que consideramos certo é diferenciado, faz com que reavaliemos nossas certezas, modifcando-as e fazendo crescimento.
Em algumas situações, nós espíritas, podemos questionar, por exemplo, a reencarnação. E isto é bastante salutar, pois ao nos indagarmos sobre ela e realizar um processo crítico processual conseguimos ver pontos cada vez mais profundos e que nos respondem de forma cada vez mais eficaz. Por isso é imprescindível a coragem permanente de, quando confrontados com a realidade, saber alterarmos e revitalizarmos nossas convicções.

domingo, 26 de outubro de 2008

A Força dos Encarnados

Estou lendo "Sepultando meus Mortos" de Humberto de Campos. É uma coletânea de crônicas que versam sobre a vida e o falecimento de algumas pessoas importantes com que Campos conviveu. Eu não tenho nada a dizer sobre a vida ou a morte de uma pessoa importante justamente porque não conheço pessoas importantes. E também não conheço pessoalmente ninguém que conheça pessoas importantes. Aliás, chego a duvidar fortemente de que ainda existam em nosso país pessoas importantes. Carentes que estamos de tudo hoje, também penso que nos faltam muito os intelectuais. Já não os temos. E prova disso é que consideram como intelectuais pessoas como Arnaldo Jabor, Caetano Veloso e Jô Soares.
Mas se por um lado pode-se dizer que já não há pessoas importantes, também podemos dizer que na verdade todas as pessoas são importantes. Todos, por mais insignificantes e recolhidos que pareçam, tem uma importância extraordinária. Não há nada mais fascinante que o ser humano. Cada anônimo que cruza nosso caminho é por si só um universo de histórias.
O ser humano pertence à natureza mas a transcende na medida em que alcançou o livre arbítrio. Na natureza, por mais caótica que possa parecer, existe uma ordem subjacente que a regula. Sempre no melhor caminho, sem desperdício, com a maior economia e lógica possível. Já o ser humano nem sempre segue um roteiro bem trabalhado. Ele extrapola, desperdiça, gasta, erra, torna a errar e choca na exata proporção com que consegue desviar-se. Mas é justamente quando parece perdido que manifesta o Creador dentro de si, expressando que há algo mais interno lhe sensibilizando e que sempre é tempo de transformação. As leis que regulam a natureza são naturais. As que regulam os seres humanos são morais. Por isso que é tão belo cada história de vida, pois é a partir de cada uma que se revela um traço diferenciado da inteligência da Creação. É comovente ver alguém vivendo 20 anos nas drogas querer mudar, mesmo que torne a se perder. Ou ver alguém há anos deprimido de repente ter forças para recomeçar. Ou ainda, ver alguém há muito tempo estagnado voltar a estudar ou coisa parecida. Não há nada mais importante - ou não deveria haver - para o Espiritismo do que o espírito encarnado.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Lógica e Espiritismo

Princípios básicos de Lógica
A lógica tem por função observar o encadeamento entre afirmações e avaliar se há conexões pertinentes entre elas. Também permite avaliar se determinada conclusão pode ser derivada de certas premissas (ou afirmações).
Exemplos
Se alguém afirma que os políticos brasileiros são corruptos porque a população brasileira é corrupta têm de oferecer argumentos para se justificar. E estes argumentos devem estar ligados logicamente para sustentarem a conclusão. Não cabe à lógica verificar a verdade de cada afirmação, apenas atentar sobre os conectivos que unem as sentenças.
Lógica e mentalidade brasileira
Os currículos escolares brasileiros estão completamente defasados com relação à vida concreta dos indivíduos, de modo que parecem mais interessados no ensino dos logarítmos do que das principais questões existenciais que nos afligem. Se entre uma aula de trocas bioquímicas e outra de aceleração centrípeta os jovens alunos tivessem aulas de lógica voltada para suas vidas, quem sabe talvez não fosse tão manipulados pelos comerciais, desenvolvessem mais seu senso de justiça e moral e soubessem suportar mais adequadamente os desafios que lhe são impostos.
Espiritismo e lógica
Kardec estudou muita lógica, sendo dela exímio conhecedor. Tanto é verdade este fato que toda a obra da codificação foi construida a partir de conceitos logicamente conectados. Portanto, para melhor entender o Espiritismo hoje, e a moral dele decorrente, se faz necessário dominar alguns princípios da lógica. Isto acontecendo só beneficiaria o entendimento espírita como bloquearia pensamentos e afirmações que deduzissem da existência dos espíritos desencarnados o domínio intransponível desses nas ações dos encarnados, por exemplo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Missão Reencarnatória

Quando desencarnados nos propomos, ao encarnar, a realizar uma série de transformações internas com o fim de nos revelarmos a nós mesmos cada vez mais. Mas, se este processo fomenta nos conhecermos em profundidade cada vez maior, sendo portanto uma ação interior, qual a necessidade que temos de encarnar e conviver com os outros?
Quando encarnados passamos à esfera do tempo e, nessa condição, nos tornamos altamente decadentes, no sentido que a partir do momento em que nascemos já estamos nos degradando e morrendo, nos tornando, assim, extremamente dependentes uns dos outros. E é nessa interdependência com os outros que expressamos alguns dos valores internos que alcançamos ou nos mobilizamos para expressar aqueles que ainda não conquistamos. Desta forma, o amor é um sentimento que só existe numa relação, é resultado e propriedade emergente da trocas entre indivíduos singulares. E embora o amor surja em decorrência do encontro com o outro, o seu entendimento, seu alcance e materialização depende do autoconhecimento de cada um e da autodisciplina particular para sua efetivação.
Desta forma, cada um reencarna com uma missão particular de efetivar mais amplamente o que alcançou e de se disciplinar para aperfeiçoar aquilo em que é limitado. Sendo assim, não há missão fechada. Cada um pode corrigir sua rota no decorrer do caminho, havendo uma missão genérica a todos: ser feliz fazendo os outros felizes.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Olhares sobre a Mediunidade

Uso e Função
A mediunidade têm sido vista por uma boa parte de pessoas, espíritas ou não, num sentido imediato de uso. Ou seja, enxergam na comunicação mediúnica uma possibilidade de interesse imediato com objetivos, no mais das vezes, particulares. Procuram "notícias" de seus entes queridos que desencarnaram ou esperam favores e/ou conselhos espirituais.
A Função é Maior do que o Uso
Sem que percebam, ao fazer este uso da mediunidade acabam por diminuí-la. É curioso o aspecto fantástico que atribuem à capacidade mediúnica, mas se ela fosse avaliada na sua verdadeira função se mostraria mais forte e natural do que a dimensão que representa hoje. A mediunidade tem uma função promotora da qualidade da vida humana. Entretanto, o uso que as pessoas fazem dela nem sempre condiz com essas finalidades.
Mediunidade e Evolução
A mediunidade está presente em todas as transformações significativas e revolucionárias da história humana. Futuramente, quando for melhor estudada, vai ser variável permanente em qulaquer estudo de caso acerca de inflexões no processo evolucionário da Terra. Não vai ser vista só como comunicação entre encarnados e desencarnados, mas como instrumento de manutenção da vida, na medida que une todos os espíritos por pensamentos e objetivos comuns.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Linguagem Espírita

Existe uma série de palavras utilizadas pelos espíritas que tenho aversão. Algumas delas inclusive já as devo ter usado, até mesmo neste blog. Isto só prova que qualquer instituição possui um currículo oculto cujo trabalho pedagógico é capaz de formar de maneira implícita uma maneira de enxergar o mundo, liberando ou interditando o que pode ou não ser dito, ou como deve ou não ser dito. Os Centros Espíritas não fogem à regra e também nos condicionam pelo vocabulário um modo de enxergar a realidade.
Linguagem
Todas as palavras são carregadas de sentidos socialmente construídos. Os vocábulos que utilizamos mediam a realidade em que vivemos oferecendo um sentido para nossas existências.
Arcaico
Uma das palavras que me causa ogiriza e que é muito utilizada pelos espíritas é seara. Não sei o motivo pelo qual ela me irrita tanto. Talvez seja implicância. Mas talvez seja porque ela carrega todo um ranço arcaico de vocabulário espírita que não permite o Espiritismo em evoluir no tempo e espaço.
Aderência
Os jovens chegam aos Centros Espíritas com algumas necessidades e expectativas e as vezes as propostas escolhidas não fazem aderência com suas vivências. Falar em seara com alguém que têm uma linguagem ultra rápida e dinâmica é no mínimo improdutivo.
Dos males o menor
Entretanto há um mal maior na insistência de termos já ultrapassados por alguns segmentos espíritas: a insistência no decadente que impede a renovação. Enquanto a ciência e a filosofia falam em complexidade, transdisciplinaridade, ética planetária, os Centros Espíritas falam em quê?
Sagrado;
Divino;
Jubiloso;
Paraíso;
Seara.
Pensemos que visão de mundo encerram estes termos.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Encarnados e Desencarnados

Gostaria de propor que todos nós espíritas, eu incluso, refletíssemos um pouco sobre o que temos pensado sobre os espíritos. Hã? Como é que é?

Sim senhor!
Um dos pressupostos das crenças espiritistas é acreditar na existência e comunicação com os espíritos desencarnados. OK! Mas como temos pensado neles? Visto o que se publica por aí as respostas não são nada positivas.

Desencarnados sabem de tudo.
É como se de repente imaginássemos que alguém quando desencarna, independente da construção moral que tenha feito encarnado, passasse a ter acesso permanente a nós e mais, saber tudo sobre nós. Daí, para os espíritos desencarnados alcançarem um status de conselheiros infalíveis é um passo.

Mágicos
Os desencarnados, ao contrário dos esforços de Kardec, se tornam:
infalíveis;
extranaturais;
absolutos;
constantemente presentes;
sábios profundos.

Tchau Livre Arbítrio
Ninguém por desencarnar torna-se expoente no que foi limitado. No máximo expande um pouco a consciência e nos enxergando de fora pode ter uma visão mais confortável para nos orientar. Mas entre isso e saberem mais do nosso vínculo com o Creador e a Creação do que nós mesmos há um abismo intransponível. Delegar a eles nossos futuros e escolhas é abrir mão do nosso exercício crítico do livre arbítrio.

Argumento da autoridade
Tudo bem! Alguns espíritos realmente alcançaram condições possíveis de nos instruir e nos provocar a avançar. Mas a sua instrução deve ser avaliada hermeneuticamente tal qual um pesquisador avalia os autores referenciais das suas teses. Nada de justificar uma verdade apenas porque um espírito desencarnado falou. Nada de autoridades indiscutíveis, nada de palavras absolutas, nada de...opa! Dogmáticos são eles, os outros. Nós, não! Somos críticos e hermeneutas. Sei!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Onde Estarão os Espíritas?

Algumas coisas são curiosas. Se pegarmos alguns dados indicativos do IBGE no Brasil colhidos nos inícios dos anos 2000 iremos encontrar dentro de um universo de quase 170 milhões de habitantes apenas pouco mais de 2 milhões de espíritas confessos.

* * *

Este fato se torna ainda mais curioso se observarmos a relevância que tem o Espiritismo em nosso país, desde o número de publicações as mais variadas possíveis (uma grande parte de qualidade discutível), passando pela quantidade de Centros Espíritas e o espaço com o qual suas temáticas ocupam algumas mídias. Também é válido lembrar que recentemente um filme de qualidade pífia e enredo frágil e cambaleante, "Bezerra de Menezes", pelo simples fato de possuir um caráter pretensamente espírita atingiu boas audiência apesar de suas limitações orçamentárias e suas deficiências de divulgação.

* * *

Os brasileiros quando questionados em pesquisas mais informais sobre a crença na reencarnação surpreendem nas respostas, sendo o Brasil um país de maioria católica: mais de 50% acreditam neste fenômeno.

* * *

Diante desta situação só nos resta perguntar e entender o motivo pelo qual há poucos espíritas manifestos num país em que as idéias e conceitos espíritas estão tão disseminados. Muitas são as explicações: a herança católica que condiciona boa parte a se afirmar como católico mesmo que não saiba mais o que é frequentar uma missa; o sincretismo em nosso país que faz com que não exista muito bem definido para o praticante de determinada religião quais os pressupostos de sua crença, podendo haver, assim, católicos reencarnacionistas; o status fundante católico que se manifesta em quem produz pesquisas de opinião pública inconscientemente manipulando a pergunta para obter o resultado católico; o preconceito e o constrangimento que ainda inibem algumas pessoas de se afirmarem espíritas.
Podem existir vários outros motivos que expliquem um número tão tímido de espíritas em solo brasileiro. Mas o resultado do IBGE também pode sugerir outras reflexões. Pode-se imaginar que já que tão poucos tem a coragem de se manifestar espíritas, estes seriam, pelo menos, convictos e fundamentados na crença. Ou seja, se não há força quantitativa pelo menos existe qualitativa. Nada mais falso! Eu chego a pensar que grande parte dos espíritas declarados chega a descontribuir para o próprio Espiritismo, haja visto suas manifestações e expressões completamente incoerentes com o propósito espírita. Diante disso resta fazer um apelo para aqueles que levam os objetivos espíritas a sério a se manifestarem coerentemente aproveitando uma certa aceitação de alguns conceitos do Espiritismo pelo povo brasileiro para crescer - e aí sim - quantitativamente e qualitativamente.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

As Referências Espíritas

As pessoas costumam chegar até os Centros Espíritas pelos motivos os mais variados possíveis. Alguns por curiosidade com relação aos fenômenos espíritas. Outros pela insistência de terceiros. Uma boa parte interessado em se aprofundar no estudo da Doutrina Espírita. E a maior parte, pela dor: uma doença, a perda de um ente querido, o término de um relacionamento, a perda do sentido da vida, etc. Estes últimos costumam chegar desacreditados em muitos e enxergando no Centro Espírita um último local de salvação, um ambiente que trará a solução imediata para os seus problemas.
A grande crise surge quando são orientados no Centro Espírita a se transformarem para transformar suas condições de vida. E aí recebem uma série de aconselhamentos, indicações, referências e motivações para se autoconstruírem mediante a construção de novos conhecimentos. O grande problema decorre que a maioria das pessoas que chegam com problemas já tem um cotidiano bastante atribulado para além disso terem de pensar em se reformarem, em evoluir pelo conhecimento, em se tornarem pessoas melhores, mais pacientes, mais harmonizadas com o Cosmos. Isto acontece porque foram condicionadas a agir e responder mediante as referências da cultura, de forma que se forem cortados no trânsito não podem levar desaforo para casa, mas sim revidar e se impor. O conhecimento da cultura pronta também ensina que o mundo é dos espertos, portanto se deixar corromper no trabalho em troca de benefícios se torna natural, posto que outra pessoa nas mesmas condições faria o mesmo.
O Espiritismo busca demonstrar que é justamente no nosso cotidiano concreto que devemos contextualizar as referências do Centro Espírita para que possamos nos transformar e nos adaptar mais harmonicamente às novas condições. Uma boa parte das pessoas se esquece disso e só se lembra de ser espírita no Centro Espírita, quando o grande desafio do Espiritismo é fornecer recursos e subsídios para que cada um singularemente suplante seus desafios e faça crescimento pessoal. O problema é que muitas vezes as referências espíritas são contrárias aquelas da cultura, pelas quais nós já estamos condicionados. Para ilustrar este fato vamos resumir a seguinte estória do escritor dinamarquês Hans Andersen que, dentre outras obras, notabilizou-se pelo Patinho Feio:
Havia num reino um rei extremamente vaidoso que exigia de seus alfaiates os mais belos trajes, cravejados das jóias mais belas possíveis. Entretanto, já fazia um tempo que o rei sentia-se entediado uma vez que seus alfaiates já não tinham mais criatividade para lhe fornecer algo diferente e original. Foi por esta época que apareceu neste reino um alfaiate que se apresentou ao rei dizendo que faria a mais bela roupa que monarca algum em tempo algum houvesse vestido e que para tanto necessitava do maior número de ouro, jóias, diamantes. O rei mais do que depressa forneceu tudo ao desconhecido ansioso por suas novas roupas. Passado um mês, sem que nada estivesse pronto o rei resolveu ir pessoalmente com seus ministros procurar pelo alfaiate. Chegando em sua sala o alfaiate disse ao rei que ali, sobre a mesa, estava o mais belo traje já feito por mãos humanas. O rei olhou na mesa e nada viu, e antes que se manifestasse o alfaiate advertiu: - Este traje é tão especial que só as pessoas sábias conseguem enxergá-lo. O rei, para não passar vergonha diante de seus ministros, elogiou na hora a roupa e foi vesti-lá. Voltou nu, mas todos os seus ministros afirmavam que era a mais bela roupa que haviam visto. A história se espalhou pelo reino e o rei desfilava nu pelas ruas e todos afirmavam que ele estava com a mais pomposa das roupas. Um dia, o rei desfilava pela cidade, sendo ovacionado pelo povo quando um menino, inocentemente, gritou: - O rei está nu. Esta frase criou o maior constrangimento para todos, sendo que o rei se desculpou com todos por sua vaidade e por ter sido enganado pelo alfaiate, prometendo dali em diante agir em nome de seus súditos.
Esta estória possui inúmeras leituras, cabendo uma ao nosso contexto. Muitas pessoas no começo sabiam que o rei estava nu, mas por conveniência disseram que ele estava belamente vestido. Talvez com o tempo, pelo treino e pela disciplina, passaram a ver o rei vestido. Isso acontece com muito de nós. Muitos afirmam um prazer enorme em fumar e se sentem dependentes deste vício. Mas eu duvido que alguém ao fumar pela primeira vez tenha sentido prazer. Pelo contrário, deve ter tossido ou sentido enjôo. Mas como todos fumam, ou para o adolescente aquilo significa auto-afirmação, a pessoa vai fazendo um treino, fumando cada vez mais, até que passa a sentir prazer. Da mesma forma, tenho certeza que uma pessoa ao ser chamado a primeira vez para transviar no seu emprego sente-se mal, indeciso. Mas, como o mundo é dos espertos, se disciplina e treina para aquilo, passando a não sentir mais constrangimento interno nenhum.
A proposta do Espiritismo é justamente provocar um treino contrário: ao invés de nos disciplinarmos pelos valores prontos da cultura, que tal treinarmos para agir mediante aquilo que alcançamos pelo conhecimento. Em ambos os casos vamos adquirir gosto e manejo nos comportamentos em que adotamos. Só que temos de ver o seguinte: somos essencialmente espíritos vivendo num contexto material, onde a nossa grande busca é viver os valores espirituais na materialidade. Assim, sempre que nos disciplinarmos em torno das refêrências espirituais estaremos nos harmonizando com nossa própria essência.
Gandhi, em certo momento de sua vida, decidiu viver tão somente baseado na verdade que alcançasse. Mesmo nas situações que lhe oportunizassem um benefício imediato mentindo, ele não o fazia querendo provar que ao viver a verdade os desdobramentos a longo prazo sempre seriam positivos. E assim o provou.
Então, a nossa grande busca é vencermos a nós mesmos, seja não revidando no trânsito, não tergiversando no trabalho, ou treinando para abandonar vícios.
O espírito Leocádio José Correia, pelo médium Maury Rodrigues da Cruz, disse certza vez: "O homem materialista materializa a alma. O homem espiritualizado epiritualiza o corpo".
Ao frequentar os Centros Espíritas que tenhamos todos nós a coragem para viver os valores do espírito e saber apontar para nós mesmos, quando necessário, que o rei está nu.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Amor-Conhecimento

Toda concepção religiosa espiritualista visa expressar uma lógica espiritual de comportamento contrária à lógica materialista. Daí o grande sentido da afirmação de Cristo: “Não se pode servir a Deus e a Mamon”. Cada uma dessas concepções difere na forma através da qual manifestam seus entendimentos e na forma de transmiti-los. No Espiritismo esta lógica espiritual não é transmitida por revelação a pessoas diferenciadas e tampouco transmitida através de dogmas ou saberes sagrados. Ao contrário, está ao alcance de cada um, sendo construída pelo conhecimento na reunião de ciência, filosofia e religião.
Cada indivíduo é apto para ler o seu contexto e mediante o conhecimento que acumulou derivar o melhor comportamento para a situação dada. A grande questão é que muitas vezes o conhecimento alcançado por certo indivíduo pode ser contrário aos seus desejos e expectativas biológicas e sociais. Neste sentido é que o amor emerge como poder iluminador que promove uma renúncia voluntária, proporcionando que o indivíduo renuncie aos interesses materiais em favor dos princípios que alcançou pelo conhecimento. Caso não aprenda pelo amor irá aprender pela dor. Como exemplo, vejamos uma pessoa que alcançou a importância de manter-se encarnado o máximo de tempo possível a fim de melhor aproveitar seu aprendizado. Mantém hábitos saudáveis renunciando alguns alimentos no objetivo de permanecer mais tempo encarnado qualitativamente e quantitativamente. Essa é uma conduta de amor, pois a pessoa renunciou voluntariamente certas coisas em prol daquelas que considerava como corretas. Já o indivíduo que cede a quaisquer desejos corre o risco de ter de abandonar hábitos pela dor. Como é o caso daquele que se alimenta de maneira inadequada e só nos primeiros sinais de doença abandona esta conduta. O aprendizado foi pela dor, por coerção e não pela efetivação do conhecimento.
Se o amor é saber renunciar é necessário também que se saiba como, o que e qual a ocasião de renunciar. A renúncia deve ser sempre argumentada e justificada de forma crítica e racional. Um bom critério é, diante de cada situação, avaliar a ação a ser tomada mediante as intenções, os meios e os fins. Adequando harmonicamente os três se pode derivar uma boa conduta. Por isso é imprescindível tratar do amor na sua relação fundamental com o conhecimento.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Fé Racional

São comuns a contraposição e a divergência entre fé e ciência, sendo que um olhar mais detido e apurado pode não somente encontrar pontos comuns entre ambos, como reconhecer seu caráter de complementaridade e mesmo de indissociabilidade. Um pouco da evolução do conhecimento científico pode ajudar a compreender a necessidade desta evolução no âmbito da fé.
Quando passou a sedimentar-se como visão de mundo bastante eficaz, a ciência se baseava fundamentalmente em observações, onde cabia ao pesquisador tornar-se o mais imparcial quanto possível, servindo tão somente como registrador dos fenômenos observados. Destes registros surgia uma interpretação posterior baseada em linguagem técnica e, por vezes, matemática. Já em meados do século XIX passaram a surgir publicações interessadas nos mecanismos de funcionamento da ciência, bem como os primeiros cursos institucionalizados de epistemologia. Com isso, mudou-se um pouco a visão imperante sobre o método científico e começou a se criar uma nova abordagem. Nesta, o cientista não faria simplesmente observações, mas as faria ancoradas em hipóteses elaboradas anteriormente. Assim, a observação seria um recorte a partir das hipóteses do cientista, buscando evidências para comprová-la ou refutá-la. As hipóteses iriam direcionando o caminho da pesquisa, sendo reelaboradas conforme a necessidade das conclusões encontradas. Já no século XX ocorre nova transformação no pensamento científico, onde as grandes descobertas deixam de ser provocadas na observação do mundo dos fenômenos e passam a emergir da meditação sobre aspectos racionais de teorias anteriores. Há uma inversão da prioridade do realismo enfatizando-se o racionalismo, onde grandes teorias surgem pelo exercício da abstração e da imaginação e menos por questões concretas e observáveis. Não que a análise do mundo exterior em si não tenha importância alguma, mas ele vai servir para provocação e estimulação de questões abstratas, cuja consistência lógica vai buscar submeter seus resultados aos objetos do real, inovando-os e alçando-lhes aspectos antes inacessíveis. Portanto, as hipóteses vão surgir como sínteses e não mais como elaborações desconexas. Como exemplo, temos Einstein questionando o princípio da simultaneidade do tempo newtoniano e alguns matemáticos questionando o postulado das paralelas na geometria euclidiana, cujas descobertas proporcionaram feedback no mundo do real e os renovaram, permitindo enxergar pontos antes obscuros à simples observação.
De acordo com esta abordagem inicial pode-se fazer um paralelo com a fé. Se esta não fosse congelada por uma visão dogmática, centrada em dogmas e revelações seguiria o mesmo caminho da ciência, uma vez que ambas possuem uma inter-relação fundamental que será comentada adiante. Inicialmente a fé surgiu, ou assim se imagina que tenha surgido, por observações concretas de alguns fenômenos. Ela derivava da observação direta. Posteriormente, aquele que mantinha fé fazia hipóteses sobre o mundo, cujos eventos poderiam ou não comprovar sua fé, transformando-a e obrigando-a a se renovar. Atualmente, seria o tempo da fé se deter em questões lógico-abstratas que poderiam elucidar questões do real ainda não possíveis de serem esclarecidas através de evidências, mas bastante plausíveis pelo rigor filosófico. Partindo deste princípio não se deixa de perceber uma nítida coincidência entre as trajetórias da fé e da ciência. De onde surge este acontecimento? Do simples motivo da fé consubstanciar a atividade científica, onde é uma transformação da fé que possibilita uma transformação da ciência. A grande dificuldade surge quando se fala em fé religiosa e se tenta atribuir a ela caracteres distintivos da fé científica. E esta questão sedimentou-se num senso comum que se imiscuiu mesmo nas mentes mais privilegiadas. Como exemplo, citemos novamente Einstein. Mesmo um cientista de tamanha envergadura e com ideais tão nobres ainda era capaz de fazer concessões à idéia de tradição.
Sendo o núcleo científico filosófico ele se sustenta em uma fé. Basicamente na fé de que há uma ordem no Universo e de que o entendimento humano é capaz de compreendê-la. Porém, graças ao sucesso do método científico e a comprovação das hipóteses através de evidências concretas deixou-se de refletir as premissas científicas organizadas pela fé. E esta reflexão passou despercebida, pelo menos pela grande maioria, quando Einstein enunciou a Teoria da Relatividade que a rigor não possuía evidência nenhuma a não ser a consistência lógica de seus postulados. Inicialmente sua aceitação, para aqueles que tivessem essa coragem, era simplesmente uma posição de fé. Mas uma fé sustentada pela razão. A fé religiosa funciona da mesma maneira. Quando nos primórdios da humanidade se observavam fenômenos climáticos e a eles se atribuíam divindades começava a surgir uma concepção de mundo ordenada. Houve dinâmica da fé e as concepções religiosas foram se alterando. A grande crise foi quando surgiram igrejas buscando o monopólio da explicação religiosa, congelando a fé em dogmas e submetendo-as às massas através de aceitação passiva. Criou-se a idéia de que surgiam na humanidade figuras extraordinárias que traziam conhecimentos sagrados por via da revelação e que não podiam ser questionados, mas aceitos por ato de “fé” e transmitidos sob a forma de tradição. Esta mentalidade instaurou-se tão fortemente que atualmente cientistas que conduzem suas pesquisas com rigor metodológico, são altamente críticos na discussão de seus resultados, mas quando abordam questões religiosas sucumbem a dogmas e aceitações acríticas, ignorando que sendo a fé que ampara ambas as atividades, a postura crítica, reflexiva e racional diante delas deveria ser a mesma.
Desta percepção é possível avaliar uma das grandes conquistas do Espiritismo e um dos seus pontos originais: a fé racional. A rigor a fé é por excelência racional, uma vez que é a possibilidade de estender o olhar para pontos obscuros a partir de conhecimentos já consolidados. O que Kardec fez com bastante competência foi ressaltar esta posição com argumentações lógicas. Foi revolucionário ao propor que sendo o polissistema espiritual passível de verificação racional e análise crítica dentro de um quadro de leis naturais e não extraordinárias, a fé resultante deveria ser racional. Toda crença poderia e deveria ser justificada, estando aberta a crítica, ao diálogo e a influência de novas descobertas. Viveu no tempo em que começavam a formular hipóteses para as observações, fazendo o mesmo. Colhendo mensagens mediúnicas ao redor do mundo todo descartava ou reforçava suas hipóteses, procedendo de forma rigorosamente científica. Mas já começava a precipitar uma nova epistemologia quando enfatizou questões contrárias ao senso comum que ainda não poderiam ser provadas por evidências, mas sim com a argumentação crítico-racional. Daí explicitou que a fé só poderia existir se oportunizasse menor resistência do real, portanto construída sob a égide da razão e da crítica. Contemporaneamente, este ponto é fundamental para o Espiritismo. Assim como Einstein na gênese de suas teorias não encontrava evidências concretas para comprová-las servindo-se apenas do suporte da consistência lógica, o Espiritismo ainda não encontra instrumentos adequados para comprovar imortalidade da alma, reencarnação, mediunidade e outros pontos. Mas centrando-se criticamente em pontos morais e naturais da existência, desdobra conteúdos lógicos que possibilitam a crença racional nessas teses, além da possibilidade de enxergar pontos antes invisíveis ao olhar comum.
Concluindo, se quer colocar que não há uma grande diferença entre fé e ciência, onde a primeira estrutura a segunda. E por este princípio não deveria haver diferença ente fé científica e fé religiosa, não podendo se atribuir características específicas para cada uma delas, uma vez que a idéia de fé tem uma essência que não se modifica conforme a atividade que sustenta. A grande confusão surge pelo senso comum de fé, transmitida basicamente por algumas igrejas e distribuídas por todos os segmentos da sociedade. O Espiritismo objetiva trabalhar criticamente o conceito de fé, para romper com a crença comum de sua aceitação passível e originada na idéia de revelação, promovendo a auto-emancipação do homem pelo conhecimento, onde cada um possa defender aquilo que acredita em princípios lógico-racionais, aberto a mudanças por constatação de eventos ou pelo diálogo construtivo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Construção do Caráter

Sempre que nos deparamos, um pouco admirados e perplexos, com a trajetória de pessoas que souberam efetivar nas suas existências conhecimento, bondade e amor, nos questionamos os motivos pelos quais estes atingiram esta condição. E lendo a história de vida destas pessoas impressiona que desde cedo soubessem muito bem o que queriam e o modo consciente e responsável para a conquista dos objetivos. Diante disso queremos nos transformar a nós mesmos, buscando fazer dos eventos banais do cotidiano grandes acontecimentos e demonstração de grandes saberes, tais quais aqueles a quem admiramos. Assim, gostaríamos de saber dizer sempre a coisa certa na hora certa, como Jesus. Ou manter a convicção moral de Gandhi. Ou a humildade e dedicação de Einstein. Mas despreparados que ainda somos, ao falhar pela primeira vez jogamos tudo para o alto, justificando nosso fracasso com uma ideologia qualquer.
A grande questão é compreender que devemos aprender a viver os detalhes e o momento presente, querendo nos guardar de querer construir a toda hora grandes momentos.
Esses há quem admiramos construíram todo saber numa trajetória reencarnatória pela qual vieram agregando lentamente conhecimentos, os reforçando pela disciplina e compondo momento a momento seu caráter. Devido ao seu preparo, em certas situações, assumem missões nas quais podem revelar e expressar toda uma experiência que foi sendo sedimentada paulatinamente nos detalhes, proporcionando então os grandes feitos.
Dostoiévski disse, através de um de seus personagens em “Irmãos Karamazov”, que um homem num impulso de amor pela humanidade poderia deixar se sacrificar na cruz, mas quem sabe talvez não conseguisse viver harmonicamente uma semana com um estranho sob o mesmo teto. Devemos construir nosso caráter dia a dia, nas pequenas coisas, nos pequenos detalhes. Quem sabe cumprimentando as pessoas ao nosso redor, ou talvez não se irritando no trânsito, ou ainda exercendo nossos ofícios com dedicação e responsabilidade. O fato é que somente no aprendizado cotidiano e mediante o processo reencarnatório poderemos estar aptos para os grandes feitos, os grandes acontecimentos, nunca esquecendo que a beleza de um quadro também reside nos seus detalhes.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Método Científico de Kardec

Para que se possa compreender o método científico que Kardec utilizou para realizar a codificação espírita é necessário primeiramente entender a concepção epistemológica que emergiu no século XIX e proporcionou diversas descobertas nas mais variadas áreas. Se Bachelard afirma que o novo pensamento científico no início do século XX se caracterizou por uma prioridade do racionalismo frente ao chamado realismo, o século XIX deu ênfase para o empirismo, construindo novas teorias através de experimentações, verificações e observações. Charles Darwin foi um dos expoentes deste método que também promovia inovações. Durante muito tempo as pesquisas científicas se limitavam simplesmente a observar, onde o cientista era treinado para colher dados e transcreve-los cuidando ao máximo para não interferir ou deles tirar conclusões precipitadas. Já na metade do século XIX, com o surgimento de obras voltadas especificamente para a epistemologia, o método se alterou: o pesquisador formulava a partir de suas observações hipóteses para posteriormente serem comprovadas ou descartadas mediante as evidências, sendo que no caso de serem refutadas novas hipóteses eram formuladas. Darwin, segundo consta dos revisores contemporâneos de sua obra, era exímio nesta arte de incansavelmente formular e reformular hipóteses submetendo-as aos experimentos e observações.
Kardec que fazia parte da construção desta nova mentalidade e possuía uma excelente educação formal, também se serviu deste método para elaborar a codificação espírita. O próprio exemplifica claramente isso na introdução do “Evangelho Segundo o Espiritismo”, ressaltando passo a passo como fazia para introduzir um novo conceito e construir o edifício do Espiritismo. Primeiramente ele colhia e analisava mensagens do seu entorno, oriundas dos médiuns com os quais trabalhava mais frequentemente. Quando aparecia uma nova idéia, ele avaliava se ela era logicamente consistente. Posteriormente ele combinava com todo arcabouço espírita já alcançado para perceber se havia coerência. Se a idéia passasse por estes critérios era formulada uma nova hipótese, que dependeria de observações para ser descartada ou corroborada. As observações ocorriam da seguinte forma: Kardec publicava a mensagem na Revista Espírita e aguardava respostas de várias partes do mundo com mensagens espírita versando sobre o mesmo assunto para perceber se havia ou não uma universalidade no conteúdo. Era um trabalho meticuloso de análise, para garantir que cada novo conceito houvesse passado por um critério rigoroso de verificação, tal qual os experimentos científicos da época. Quando uma mensagem alcançava este valor de universalidade, Kardec aguardava o momento adequado para lançar o novo conceito.
Além disso, Kardec ainda mantinha todo um modo pedagógico de construir suas obras, revelando uma sintaxe por detrás dos processos morais. Não vou me estender nesse assunto, mas indico a excelente obra “Sintaxe dos Processos Morais - Um estudo sobre a estrutura do código moral na Codificação da Doutrina Espírita” de César Graça (este livro foi recentemente lançado pela Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas em Curitiba. Quem tivesse interesse em adquiri-lo e dificuldade em achá-lo poderia me contatar que eu facilitaria a transação).

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P.S.: Como abordei um pouco sobre ciência hoje, recomendo o recém-inaugurado blog www.rui-paz.blogspot.com que, entre outras coisas, trata da ciência na contemporaneidade, sobre transdisciplinaridade, eslética, complexidade e assuntos afins.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Atualização Espírita

Embora as relações mediúnicas sejam comuns desde os tempos mais remotos e interpretadas das mais variadas maneiras por diferente culturas e a Doutrina Espírita venha sendo materializada e objetivada na Terra desde seu primeiro habitante auto-consciente, só se pode falar em Espiritismo a partir de Allan Kardec. Não só pelo fato do mesmo ter criado a palavra e desenvolvido o conceito, mas pelo risco que se corre em atribuir o rótulo de Espiritismo para ideologias, crenças ou manifestações culturais anteriores.
Dos vários méritos de Kardec, talvez dois sejam especiais para a história do pensamento da humanidade: o primeiro, em demonstrar que as relações entre os polissistemas espiritual e material, antes entendidas como relações com o divino, o sagrado, o oculto, etc., são passíveis de análise crítica e inteligíveis mediante a relação harmônica de ciência, filosofia e religião; o segundo, decorrência lógica e direta do primeiro, é de que a fé deve estar sustentada numa base racional. Com isso demonstrou ineficaz várias das liturgias anteriores e dos cerimoniais baseados em mitos, lendas e mistificações.
Kardec tornou possível estas conclusões utilizando-se de um método científico para colher mensagens mediúnicas do mundo todo, fazendo controle e reconhecendo um núcleo central, promovendo assim, a codificação da Doutrina Espírita mediante o esforço do Espiritismo. Também colocou para as gerações posteriores que o trabalho da codificação é dinâmico, em face dos novos alcances nos segmentos da ciência, filosofia e religião e da construção dos novos contextos culturais. O Espiritismo possui um núcleo, composto pelos princípios de Deus, Jesus e moral cristã, reencarnação, livre arbítrio e comunicação entre os polissistemas, que deve ser permanentemente reinterpretado face aos novos acontecimentos. E estas interpretações devem estar baseadas em todo conhecimento alcançado pela humanidade, numa avaliação crítica e criteriosa. Por isso o Espiritismo não é de forma alguma dogmático, esotérico, místico ou ocultista, estando ao alcance de todos, sendo dever de cada um combinar e recombinar a estrutura espírita sabendo interpretar os fatos concretos cotidianos a partir deles num exercício hermenêutico. Isso não significa que cada um deve fazer a avaliação que quiser descompromissada com qualquer justificativa, mas deve reconhecer o discurso espírita, suas bases lógicas e codifica-los para o momento presente.
A cultura brasileira, aquela que mais objetivamente ergueu a bandeira do Espiritismo, parece ainda ignorar profundamente as teses de Kardec. Motivo pelo qual continuam interpretando os fatos novos através de idéias ultrapassadas e datadas, estagnando novos conhecimentos e deturpando as idéias espíritas. Isto fica evidente em várias das publicações espíritas que circulam pelo país, demonstrando desconhecimento da filosofia espírita, agindo ainda mediante uma cultura católica e criando uma representação falsa do que significa o Espiritismo. Uma vez que ele possui uma base, muita bem justificada e argumentada, é necessário se deter sobre ela para interpretar o mundo e compor novos conhecimentos, promovendo a permanente codificação da mensagem espírita.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O Absurdo Ainda Reinante

Quando o escritor e filósofo francês Albert Camus escreveu “O Homem Revoltado” deixou claro na introdução que este livro se tratava de uma maneira de entender seu tempo. Seguindo este raciocínio colocou que sua época era marcada pelo crime calculado sustentado por ideologias que definissem os fins últimos da humanidade, uma vez que a carência de sentido para a vida oportunizava este tipo de pensamento. Ainda de acordo com Camus, a lógica do absurdo que se instaurara há algum tempo, inicialmente era utilizada como forma de justificar o suicídio, posteriormente justificando a morte do outro em prol de uma causa tida como “justa”. Mesmo com Camus demonstrando a falácia do suicídio e do assassinato em nome do absurdo tais crimes não cessaram de acontecer.
Não tenho a pretensão de compreender meu tempo, mas algumas coisas chamam a atenção. Se inicialmente o chamado absurdo, ou inexistência de sentido para a vida, incentivou o suicídio e posteriormente a morte de outros em nome de ideais elevados, hoje parece que o absurdo autoriza a morte do próximo em nome de qualquer motivo banal, sem necessidade de justificativa, apenas com o intuito de se ver livre dos problemas ou de atingir fins particulares que não digam respeito a mais ninguém. Faz um tempo atrás Woody Allen lançou o filme “Match Point”, que seria uma espécie de paródia de “Crime e Castigo”. Se na obra de Dostoievski o protagonista sugeria fins humanitários e louváveis para justificar o assassinato, no filme de Allen ele é justificado apenas como forma de privilegiar o protagonista que, incapaz de resolver sua vida, encontra na morte do outro o caminho mais fácil para seguir um cotidiano sem maiores complicações.
Talvez a morte banal tenha se tornado um pouco norma, no que se permite enxergar a idéia do absurdo rondando livre e eficazmente. É claro que o crime também se sustenta em outros motivos, como a desigualdade social, por exemplo. Mas mesmo esses crimes variam suas modalidades em função de seus contextos, o que mostra que mesmo nestas práticas há bastante da banalização da vida. Basta imaginar que nas décadas anteriores ninguém mataria apenas por um par de tênis.
A lógica pessimista e veiculadora do absurdo se instaurou principalmente na quebra com a tradição e no desgaste dos dogmas religiosos. Assim, muitos valores foram pulverizados e tudo passou a ser relativizado, tornando-se impraticável a busca por qualquer essência humana. Se por um lado as teses pós-modernistas deflagraram a hipocrisia de algumas práticas sociais, por outro descontruíram valores que a humanidade construiu ao longo do tempo sem deixar a possibilidade de se erguerem outros no lugar. Com isso parece ter se formado duas formas de pensamentos. Um para as massas, ainda sujeita a dogmas, superstições e descrenças na cultura e outra para as chamadas elites universitárias, cuja moda parece ser a visão pessimista, a descrença, o ceticismo inveterado, onde falar de qualquer valor passado ou de qualquer crença num Creador parece infantil ou deve vir cercado de uma série de cuidados. A universidade tornou-se refratária a quaisquer valores, sendo que para mencioná-los são necessários espaços adequados e em contextos diferenciados.
Diante da ausência de normas e referências atuais é tarefa do Espiritismo resgatar valores do passado para o momento atual. Porém, esses devem sofrer uma análise crítica e serem contextualizados para o momento presente, bem como justificados dentro de uma argumentação lógica. Com a atual banalização do sexo muitos começam a devotar um discurso passado de preservação da virgindade, de pureza do corpo e do pecado da relação. Isto é altamente pernicioso. O necessário é se utilizar de valores antigos mas reconvertidos em face do novo, com uma linguagem que faça significação e promova o objetivo do Espirtitismo: valorização plena da vida.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Aviso

Por estar viajando não tenho atualizado os textos. Devo retornar dia 22 de janeiro quando devo voltar a atualizá-los.
Agradeço a todos os leitores as visitas.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Prece Espírita II

Na coluna anterior comentei um entendimento geral do Espiritismo sobre a prece, no que poderia ficar a pergunta: “Qual a utilidade em se fazer prece por terceiros?” Para se entender esta questão é necessário adentrar um pouco na especificidade das teses espíritas.
A prece pode visar possibilidade de comunicação com os espíritos desencarnados, visando deles alguma espécie de auxílio. Entretanto, isso deve ser visto com cuidado, observando dois pontos particulares:

1º O processo de comunicação com os espíritos desencarnados é complexo, sendo que para entendê-lo várias são as causas a serem observadas, atentando que na comunicação o espírito encarnado nunca é passivo e a possibilidade de ser auxiliado será tanto mais eficaz quanto maior for seu merecimento;
2º Os espíritos desencarnados só atuam com função específica, nunca de modo aleatório e sem uma objetividade pontual. Promovem atuações quando estas se enquadram dentro do equilíbrio harmônico dinâmico, sendo que suas capacidades de agir não são frutos de uma natureza “diferenciada”, mas apenas resultantes do conhecimento anteriormente construído e da amplidão com que podem interagir. Com isso, depreende-se que há especialismo entre os espíritos desencarnados, onde melhor pode ajudar aquele que construiu conhecimento em determinado segmento.

Feitas estas considerações pode-se afirmar que a prece, quando feita no momento novo sem repetições vazias e com sentimento, proporciona um ambiente em que facilita o acesso para atuação dos espíritos desencarnados. Estes não conseguem simplesmente agir mediante vontade própria, mas necessitam de uma ponte de comunicação que é o pensamento dos espíritos encarnados.
Muitas vezes pessoas que estão com problemas, de ordem física, moral ou espiritual, não conseguem manter pensamentos equilibrados, o que dificulta a ação dos espíritos desencarnados. Nestes casos a prece por terceiros é válida, uma vez que uma pessoa sinceramente pensando positivamente em outra pode abrir um campo onde a atuação do polissistema espiritual seja possível. Entretanto, a pessoa que esta desequilibrada deve ter merecimento para ser auxiliada. E por merecimento não se deve entender privilégio, mas comportamentos e objetivos previamente construídos em harmonia com o conjunto cósmico. A ação dos espíritos desencarnados se realiza na medida em que o reequilíbrio de determinado encarnado contribui para que possa retomar sua trajetória evolutiva. Quando o desequilíbrio da pessoa é apenas um reflexo de uma desordem interior que irá permanentemente impor desarranjos, o auxílio espiritual parece injustificado.
No caso das preces por terceiros o importante é sempre manter um pensamento sincero e elevado e adequado para o momento, onde as palavras de Gandhi são muito oportunas: “Numa prece, é melhor que haja um coração sem palavras do que palavras sem coração”.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Prece Espírita I

O entendimento espírita sobre a prece não pode ser avaliado a partir de um senso comum isento de uma análise mais apurada dos fundamentos e princípios espíritas contextualizados com o momento presente. Assim, é comum encontrar em abordagens sobre a prece espírita resquícios de outros pensamentos e filosofias incompatíveis com a interpretação espírita, bem como com uma linguagem retrograda que inibe uma possibilidade de renovação do Espiritismo diante do contínuo do tempo.
Normalmente quando religiosos em geral, ou até mesmo cientistas e céticos, se referem à prece, o fazem no sentido de um pedido a uma divindade qualquer visando um interesse específico em causa própria ou em nome de terceiros. Daí já se percebe a prece espírita diametralmente oposta ao entendimento ordinário: enquanto na maioria das vezes se pensa a prece como forma de momentaneamente inverter a lógica de funcionamento das coisas para atingir determinado fim, na prece espírita se busca, pelo contrário, entender o mecanismo orgânico de funcionamento do Cosmos para harmonizar-se com ele. A prece espírita não objetiva “suspender” temporariamente lei nenhuma, mas sim compreendê-las para ajustar cada comportamento singular a elas.
Esse posicionamento pode gerar alguns entendimentos equivocados. O filósofo Arthur Schopenhauer detectou uma crise proveniente de uma incompatibilidade entre o sentido do mundo e o sentido da vida de cada um, voltando-se às religiões orientais declarando o comportamento de recolhimento e passividade o mais adequado a fim de evitar o sofrimento. Esta não é a concepção espírita. Para o Espiritismo a busca pela harmonia com o sentido cósmico é essencialmente ativo, criativo, original e pautado na construção do conhecimento. Não se busca compreender a ordem cósmica e submeter-se a ela como quem se diminui frente a uma força arbitrária, mas se busca conhecer esta ordem entendendo-a como aquela compatível com uma lógica de convivência conjunta que permite uma organização de totalidade com a possibilidade de expressão integral de cada vida dentro de suas possibilidades. Por isso a prece é extremamente ativa, pois ela implica no fato de cada um saber avaliar todo o contexto cultural, social, político, econômico, natural em que está inserido para assim, depreender as orientações cósmicas gerais e adapta-las no entorno em que pertence. Este é sempre um ato hermenêutico de converter orientações gerais para situações específicas.
São por esses motivos que a prece não pode ser algo decorado, mas palavras que num momento de crise sensibilizem cada um a refletir qual significado atribuem para o Creador, para a vida e para suas existências, reinterpretando o momento emergente a partir do conhecimento que alcançou. Assim, a prece é sempre nova, para o momento novo. Não inclui somente palavras, mas principalmente ações que sintonizem o sentido cósmico. Neste sentido o ideal é que cada um não fizesse preces, mas vivesse em prece, através de pensamentos, ações, palavras e sentimentos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Espiritismo, Literatura e o Nosso Tempo

Avaliar o tempo em que se vive é sempre uma tarefa árdua e de certa forma fadada ao fracasso, uma vez que estando influenciados por nossa própria época acabamos por comprometer uma busca pela imparcialidade. O ideal é sempre uma análise mais distante, futura, onde o transcorrer dos anos permite enxergar de maneira mais adequada como as coisas realmente aconteceram. Mas isso não impossibilita que continuemos a indagar e refletir nosso contemporâneo, buscando respostas para entendê-lo. Mesmo que comprometidos com ele e por isso construindo uma visão parcial, muitas vezes as respostas são surpreendentemente satisfatórias.
Conversando esses dias com uma amiga estivemos juntos pensando um pouco na literatura dos dias de hoje e no que ela reflete nossa sociedade. Se voltarmos no final do século XIX iremos perceber que predominavam os romances psicológicos, muito fortes na literatura russa e com ecos em outras partes do mundo, como é o caso de Machado de Assis no Brasil. Já no início do século XX parece haver duas correntes literárias principais que se desdobram a partir de autores consagrados. De um lado surge, com Kafka, o absurdo como lógica da vida, que se repercute em autores como Jorge Luis Borges e em movimentos como o realismo mágico na América Latina, cujo principal expoente é Gabriel Garcia Márquez. De outro lado surgem as narrativas a partir do “fluxo da consciência”, expressão de William James, manifesta nos romances de James Joyce e Marcel Proust e que se repercutem em diversos autores, como Virginia Wolf, William Faulkner e Oswald de Andrade. Essas duas tendências arrastam-se até o presente, onde começa a haver uma originalidade nos escritos dos autores da atual geração.
Lendo a revista literária norte-americana Granta, que conta com jovens autores e já teve contos de pessoas como Coetzee e Vargas Llossa em início de carreira, é possível perceber um estilo extremamente comprometido com a realidade, com todo seu coloquialismo e com uma linguagem marcada fortemente pela velocidade das imagens do cinema. O curioso é que os contos não versam sobre detalhes do cotidiano que escondem questões de interesse universal, mas numa grande parte das vezes tratam de assuntos autobiográficos, sobre detalhes muito particulares, sendo muito deles contendo fatos desagradáveis. Como disse minha amiga referindo-se a uma crítica que havia lido, estes contos ficam muito presos a especificidades.
Em um de seus poemas Maury Rodrigues da Cruz afirmou: “A incerteza do futuro nos faz demorar sobre as vitórias”. O triste é que na pós-modernidade, há incerteza não só do futuro como também do presente, o que leva as pessoas a se demorarem até mesmo sobre seus fracassos. É como se qualquer registro, positivo ou não, pudesse testemunhar uma existência numa época em que tudo se desfaz rapidamente e existem dificuldades para cada um em construir sua identidade. Assim, narrar do modo mais real possível quaisquer fatos, ainda que insignificantes, oportuniza para o autor um sentido qualquer para a vida, num mundo onde há carência cada vez maior disso.
Diante disso percebe-se o compromisso que o Espiritismo tem em proporcionar através do Centro Espírita um local diferenciado que ensine para cada um a permanência das mudanças, o resgate de valores e a capacidade de cada um em compatibilizar seus anseios com toda organização natural e cultural que o cerca, onde a literatura possa sempre significar um chamamento para um segundo olhar sobre a existência.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Espiritismo e Homossexualidade

Após uma breve pausa de final de ano pretendo estar atualizando quase que diariamente este blog. Agradeço a visita de todos.

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No meio espírita parece ser a norma taxar o homossexualismo de desequilíbrio, desvio ou de qualquer outro eufemismo que queira na verdade salientar implicitamente o homossexual como aberração, como pervertido. E como o Centro Espírita busca se colocar aberto a todos não resta outra saída senão receber em seu espaço também os homossexuais, mas cuidando sempre de enxergá-los como pessoas menores necessitadas de apoio e auxílio. Essas idéias não chocam se observarmos a série de livros psicografados no Brasil, propagando esse senso comum sobre o homossexualismo, isentos de avaliação crítica, onde o caráter de psicografia autoriza uma verdade absoluta. Mesmo nas obras da codificação ou na de autores como Léon Denis encontra-se mensagens que sustentem argumentos como os acima descritos. Mas aí o que falta é uma análise hermenêutica do tempo histórico, político, social e cultural. Na verdade o que essas opiniões sobre homossexualismo ressaltam é uma ignorância profunda da filosofia doutrinária espírita, bem como o de uma completa incapacidade de interpretar fatos recorrentes a partir de entendimentos e conceitos novos.
Se a relação básica entre os seres humanos é de amor, como Kardec ressaltou avaliando a partir de um critério lógico a mensagem de Cristo, este pode se manifestar sobre diversas formas. Para que ele seja efetivado deve estar amparado pela construção do conhecimento, onde sua legitimidade se faz na valorização do outro e da vida, dentro de um equilíbrio harmônico e sustentado numa lógica conjuntiva. Por isso, o amor tem um caráter transdisciplinar, uma vez que é uma essência manifesta em diferentes existências.
O que contraria o amor é a banalização do outro, sua utilização para fins particulares. Neste caso toda e qualquer relação de devassidão, libertinagem e com vistas exclusivas ao prazer da matéria nega o exercício do amor, comprometendo o crescimento evolutivo. Neste caso se for comprovado estatisticamente que há maior libertinagem entre homossexuais, deve-se criticar este comportamento e não o homossexualismo em si. Associar a devassidão ao homossexualismo incorre em uma falácia lógica, uma vez que tal comportamento também é verificado entre heterossexuais. O que pode ser feito é avaliar sociologicamente o motivo pelo qual homossexuais tenderiam a ser mais devassos, o que não exclui a possibilidade de se encontrar diversos casais homossexuais que contribuam mutuamente para um crescimento e realizem uma relação de dignidade e defesa ampla e integral da vida, expressando desta forma o amor. Com isso é possível concluir que o homossexualismo também é uma forma pela qual o amor pode se manifestar.
O Espiritismo não deve condenar ou defender o homossexualismo em si, mas fazer avaliação dos valores que sustentam uma relação. Se forem de dignificação da vida são positivos, independente da forma em que se manifestem. Portanto, não se pode julgar o homossexualismo, mas sim relações homossexuais a partir dos valores que a edificam, o que significa que afirmar o homossexualismo como aberração ou desvio reflete desconhecimento grave da filosofia espírita.