As pessoas costumam chegar até os Centros Espíritas pelos motivos os mais variados possíveis. Alguns por curiosidade com relação aos fenômenos espíritas. Outros pela insistência de terceiros. Uma boa parte interessado em se aprofundar no estudo da Doutrina Espírita. E a maior parte, pela dor: uma doença, a perda de um ente querido, o término de um relacionamento, a perda do sentido da vida, etc. Estes últimos costumam chegar desacreditados em muitos e enxergando no Centro Espírita um último local de salvação, um ambiente que trará a solução imediata para os seus problemas.
A grande crise surge quando são orientados no Centro Espírita a se transformarem para transformar suas condições de vida. E aí recebem uma série de aconselhamentos, indicações, referências e motivações para se autoconstruírem mediante a construção de novos conhecimentos. O grande problema decorre que a maioria das pessoas que chegam com problemas já tem um cotidiano bastante atribulado para além disso terem de pensar em se reformarem, em evoluir pelo conhecimento, em se tornarem pessoas melhores, mais pacientes, mais harmonizadas com o Cosmos. Isto acontece porque foram condicionadas a agir e responder mediante as referências da cultura, de forma que se forem cortados no trânsito não podem levar desaforo para casa, mas sim revidar e se impor. O conhecimento da cultura pronta também ensina que o mundo é dos espertos, portanto se deixar corromper no trabalho em troca de benefícios se torna natural, posto que outra pessoa nas mesmas condições faria o mesmo.
O Espiritismo busca demonstrar que é justamente no nosso cotidiano concreto que devemos contextualizar as referências do Centro Espírita para que possamos nos transformar e nos adaptar mais harmonicamente às novas condições. Uma boa parte das pessoas se esquece disso e só se lembra de ser espírita no Centro Espírita, quando o grande desafio do Espiritismo é fornecer recursos e subsídios para que cada um singularemente suplante seus desafios e faça crescimento pessoal. O problema é que muitas vezes as referências espíritas são contrárias aquelas da cultura, pelas quais nós já estamos condicionados. Para ilustrar este fato vamos resumir a seguinte estória do escritor dinamarquês Hans Andersen que, dentre outras obras, notabilizou-se pelo Patinho Feio:
Havia num reino um rei extremamente vaidoso que exigia de seus alfaiates os mais belos trajes, cravejados das jóias mais belas possíveis. Entretanto, já fazia um tempo que o rei sentia-se entediado uma vez que seus alfaiates já não tinham mais criatividade para lhe fornecer algo diferente e original. Foi por esta época que apareceu neste reino um alfaiate que se apresentou ao rei dizendo que faria a mais bela roupa que monarca algum em tempo algum houvesse vestido e que para tanto necessitava do maior número de ouro, jóias, diamantes. O rei mais do que depressa forneceu tudo ao desconhecido ansioso por suas novas roupas. Passado um mês, sem que nada estivesse pronto o rei resolveu ir pessoalmente com seus ministros procurar pelo alfaiate. Chegando em sua sala o alfaiate disse ao rei que ali, sobre a mesa, estava o mais belo traje já feito por mãos humanas. O rei olhou na mesa e nada viu, e antes que se manifestasse o alfaiate advertiu: - Este traje é tão especial que só as pessoas sábias conseguem enxergá-lo. O rei, para não passar vergonha diante de seus ministros, elogiou na hora a roupa e foi vesti-lá. Voltou nu, mas todos os seus ministros afirmavam que era a mais bela roupa que haviam visto. A história se espalhou pelo reino e o rei desfilava nu pelas ruas e todos afirmavam que ele estava com a mais pomposa das roupas. Um dia, o rei desfilava pela cidade, sendo ovacionado pelo povo quando um menino, inocentemente, gritou: - O rei está nu. Esta frase criou o maior constrangimento para todos, sendo que o rei se desculpou com todos por sua vaidade e por ter sido enganado pelo alfaiate, prometendo dali em diante agir em nome de seus súditos.
Esta estória possui inúmeras leituras, cabendo uma ao nosso contexto. Muitas pessoas no começo sabiam que o rei estava nu, mas por conveniência disseram que ele estava belamente vestido. Talvez com o tempo, pelo treino e pela disciplina, passaram a ver o rei vestido. Isso acontece com muito de nós. Muitos afirmam um prazer enorme em fumar e se sentem dependentes deste vício. Mas eu duvido que alguém ao fumar pela primeira vez tenha sentido prazer. Pelo contrário, deve ter tossido ou sentido enjôo. Mas como todos fumam, ou para o adolescente aquilo significa auto-afirmação, a pessoa vai fazendo um treino, fumando cada vez mais, até que passa a sentir prazer. Da mesma forma, tenho certeza que uma pessoa ao ser chamado a primeira vez para transviar no seu emprego sente-se mal, indeciso. Mas, como o mundo é dos espertos, se disciplina e treina para aquilo, passando a não sentir mais constrangimento interno nenhum.
A proposta do Espiritismo é justamente provocar um treino contrário: ao invés de nos disciplinarmos pelos valores prontos da cultura, que tal treinarmos para agir mediante aquilo que alcançamos pelo conhecimento. Em ambos os casos vamos adquirir gosto e manejo nos comportamentos em que adotamos. Só que temos de ver o seguinte: somos essencialmente espíritos vivendo num contexto material, onde a nossa grande busca é viver os valores espirituais na materialidade. Assim, sempre que nos disciplinarmos em torno das refêrências espirituais estaremos nos harmonizando com nossa própria essência.
Gandhi, em certo momento de sua vida, decidiu viver tão somente baseado na verdade que alcançasse. Mesmo nas situações que lhe oportunizassem um benefício imediato mentindo, ele não o fazia querendo provar que ao viver a verdade os desdobramentos a longo prazo sempre seriam positivos. E assim o provou.
Então, a nossa grande busca é vencermos a nós mesmos, seja não revidando no trânsito, não tergiversando no trabalho, ou treinando para abandonar vícios.
O espírito Leocádio José Correia, pelo médium Maury Rodrigues da Cruz, disse certza vez: "O homem materialista materializa a alma. O homem espiritualizado epiritualiza o corpo".
Ao frequentar os Centros Espíritas que tenhamos todos nós a coragem para viver os valores do espírito e saber apontar para nós mesmos, quando necessário, que o rei está nu.
terça-feira, 14 de outubro de 2008
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2 comentários:
eu gostaria de q vc descrevesse mais sobre valores espirituais na materialidade e de como poderá ser alcançado essa idéia, pois na minha opinião está cada vez utópica. "NÃO ME VENHA COM UMA IDÉIA SIMPLISTA".
Muito interessante o texto. É um tema recorrente no Centro Espírita a questão de como fazer para colocar em prática o conhecimento e auto-conhecimento que alcançamos através do espiritismo. Acredito que uma das coisas mais importantes seja essa busca da coerência interna, ou seja, conseguir gradativamente fazer mudança de comportamento e consequentemente ficar em paz com a própria consciência, logicamente dentro do possível de cada um. A história do rei nu é uma boa ilustração. Mas acho particularmente difícil saber por exemplo "qual o meu possível". E voltamos para o auto-conhecimento...
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