quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O Absurdo Ainda Reinante

Quando o escritor e filósofo francês Albert Camus escreveu “O Homem Revoltado” deixou claro na introdução que este livro se tratava de uma maneira de entender seu tempo. Seguindo este raciocínio colocou que sua época era marcada pelo crime calculado sustentado por ideologias que definissem os fins últimos da humanidade, uma vez que a carência de sentido para a vida oportunizava este tipo de pensamento. Ainda de acordo com Camus, a lógica do absurdo que se instaurara há algum tempo, inicialmente era utilizada como forma de justificar o suicídio, posteriormente justificando a morte do outro em prol de uma causa tida como “justa”. Mesmo com Camus demonstrando a falácia do suicídio e do assassinato em nome do absurdo tais crimes não cessaram de acontecer.
Não tenho a pretensão de compreender meu tempo, mas algumas coisas chamam a atenção. Se inicialmente o chamado absurdo, ou inexistência de sentido para a vida, incentivou o suicídio e posteriormente a morte de outros em nome de ideais elevados, hoje parece que o absurdo autoriza a morte do próximo em nome de qualquer motivo banal, sem necessidade de justificativa, apenas com o intuito de se ver livre dos problemas ou de atingir fins particulares que não digam respeito a mais ninguém. Faz um tempo atrás Woody Allen lançou o filme “Match Point”, que seria uma espécie de paródia de “Crime e Castigo”. Se na obra de Dostoievski o protagonista sugeria fins humanitários e louváveis para justificar o assassinato, no filme de Allen ele é justificado apenas como forma de privilegiar o protagonista que, incapaz de resolver sua vida, encontra na morte do outro o caminho mais fácil para seguir um cotidiano sem maiores complicações.
Talvez a morte banal tenha se tornado um pouco norma, no que se permite enxergar a idéia do absurdo rondando livre e eficazmente. É claro que o crime também se sustenta em outros motivos, como a desigualdade social, por exemplo. Mas mesmo esses crimes variam suas modalidades em função de seus contextos, o que mostra que mesmo nestas práticas há bastante da banalização da vida. Basta imaginar que nas décadas anteriores ninguém mataria apenas por um par de tênis.
A lógica pessimista e veiculadora do absurdo se instaurou principalmente na quebra com a tradição e no desgaste dos dogmas religiosos. Assim, muitos valores foram pulverizados e tudo passou a ser relativizado, tornando-se impraticável a busca por qualquer essência humana. Se por um lado as teses pós-modernistas deflagraram a hipocrisia de algumas práticas sociais, por outro descontruíram valores que a humanidade construiu ao longo do tempo sem deixar a possibilidade de se erguerem outros no lugar. Com isso parece ter se formado duas formas de pensamentos. Um para as massas, ainda sujeita a dogmas, superstições e descrenças na cultura e outra para as chamadas elites universitárias, cuja moda parece ser a visão pessimista, a descrença, o ceticismo inveterado, onde falar de qualquer valor passado ou de qualquer crença num Creador parece infantil ou deve vir cercado de uma série de cuidados. A universidade tornou-se refratária a quaisquer valores, sendo que para mencioná-los são necessários espaços adequados e em contextos diferenciados.
Diante da ausência de normas e referências atuais é tarefa do Espiritismo resgatar valores do passado para o momento atual. Porém, esses devem sofrer uma análise crítica e serem contextualizados para o momento presente, bem como justificados dentro de uma argumentação lógica. Com a atual banalização do sexo muitos começam a devotar um discurso passado de preservação da virgindade, de pureza do corpo e do pecado da relação. Isto é altamente pernicioso. O necessário é se utilizar de valores antigos mas reconvertidos em face do novo, com uma linguagem que faça significação e promova o objetivo do Espirtitismo: valorização plena da vida.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Aviso

Por estar viajando não tenho atualizado os textos. Devo retornar dia 22 de janeiro quando devo voltar a atualizá-los.
Agradeço a todos os leitores as visitas.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Prece Espírita II

Na coluna anterior comentei um entendimento geral do Espiritismo sobre a prece, no que poderia ficar a pergunta: “Qual a utilidade em se fazer prece por terceiros?” Para se entender esta questão é necessário adentrar um pouco na especificidade das teses espíritas.
A prece pode visar possibilidade de comunicação com os espíritos desencarnados, visando deles alguma espécie de auxílio. Entretanto, isso deve ser visto com cuidado, observando dois pontos particulares:

1º O processo de comunicação com os espíritos desencarnados é complexo, sendo que para entendê-lo várias são as causas a serem observadas, atentando que na comunicação o espírito encarnado nunca é passivo e a possibilidade de ser auxiliado será tanto mais eficaz quanto maior for seu merecimento;
2º Os espíritos desencarnados só atuam com função específica, nunca de modo aleatório e sem uma objetividade pontual. Promovem atuações quando estas se enquadram dentro do equilíbrio harmônico dinâmico, sendo que suas capacidades de agir não são frutos de uma natureza “diferenciada”, mas apenas resultantes do conhecimento anteriormente construído e da amplidão com que podem interagir. Com isso, depreende-se que há especialismo entre os espíritos desencarnados, onde melhor pode ajudar aquele que construiu conhecimento em determinado segmento.

Feitas estas considerações pode-se afirmar que a prece, quando feita no momento novo sem repetições vazias e com sentimento, proporciona um ambiente em que facilita o acesso para atuação dos espíritos desencarnados. Estes não conseguem simplesmente agir mediante vontade própria, mas necessitam de uma ponte de comunicação que é o pensamento dos espíritos encarnados.
Muitas vezes pessoas que estão com problemas, de ordem física, moral ou espiritual, não conseguem manter pensamentos equilibrados, o que dificulta a ação dos espíritos desencarnados. Nestes casos a prece por terceiros é válida, uma vez que uma pessoa sinceramente pensando positivamente em outra pode abrir um campo onde a atuação do polissistema espiritual seja possível. Entretanto, a pessoa que esta desequilibrada deve ter merecimento para ser auxiliada. E por merecimento não se deve entender privilégio, mas comportamentos e objetivos previamente construídos em harmonia com o conjunto cósmico. A ação dos espíritos desencarnados se realiza na medida em que o reequilíbrio de determinado encarnado contribui para que possa retomar sua trajetória evolutiva. Quando o desequilíbrio da pessoa é apenas um reflexo de uma desordem interior que irá permanentemente impor desarranjos, o auxílio espiritual parece injustificado.
No caso das preces por terceiros o importante é sempre manter um pensamento sincero e elevado e adequado para o momento, onde as palavras de Gandhi são muito oportunas: “Numa prece, é melhor que haja um coração sem palavras do que palavras sem coração”.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Prece Espírita I

O entendimento espírita sobre a prece não pode ser avaliado a partir de um senso comum isento de uma análise mais apurada dos fundamentos e princípios espíritas contextualizados com o momento presente. Assim, é comum encontrar em abordagens sobre a prece espírita resquícios de outros pensamentos e filosofias incompatíveis com a interpretação espírita, bem como com uma linguagem retrograda que inibe uma possibilidade de renovação do Espiritismo diante do contínuo do tempo.
Normalmente quando religiosos em geral, ou até mesmo cientistas e céticos, se referem à prece, o fazem no sentido de um pedido a uma divindade qualquer visando um interesse específico em causa própria ou em nome de terceiros. Daí já se percebe a prece espírita diametralmente oposta ao entendimento ordinário: enquanto na maioria das vezes se pensa a prece como forma de momentaneamente inverter a lógica de funcionamento das coisas para atingir determinado fim, na prece espírita se busca, pelo contrário, entender o mecanismo orgânico de funcionamento do Cosmos para harmonizar-se com ele. A prece espírita não objetiva “suspender” temporariamente lei nenhuma, mas sim compreendê-las para ajustar cada comportamento singular a elas.
Esse posicionamento pode gerar alguns entendimentos equivocados. O filósofo Arthur Schopenhauer detectou uma crise proveniente de uma incompatibilidade entre o sentido do mundo e o sentido da vida de cada um, voltando-se às religiões orientais declarando o comportamento de recolhimento e passividade o mais adequado a fim de evitar o sofrimento. Esta não é a concepção espírita. Para o Espiritismo a busca pela harmonia com o sentido cósmico é essencialmente ativo, criativo, original e pautado na construção do conhecimento. Não se busca compreender a ordem cósmica e submeter-se a ela como quem se diminui frente a uma força arbitrária, mas se busca conhecer esta ordem entendendo-a como aquela compatível com uma lógica de convivência conjunta que permite uma organização de totalidade com a possibilidade de expressão integral de cada vida dentro de suas possibilidades. Por isso a prece é extremamente ativa, pois ela implica no fato de cada um saber avaliar todo o contexto cultural, social, político, econômico, natural em que está inserido para assim, depreender as orientações cósmicas gerais e adapta-las no entorno em que pertence. Este é sempre um ato hermenêutico de converter orientações gerais para situações específicas.
São por esses motivos que a prece não pode ser algo decorado, mas palavras que num momento de crise sensibilizem cada um a refletir qual significado atribuem para o Creador, para a vida e para suas existências, reinterpretando o momento emergente a partir do conhecimento que alcançou. Assim, a prece é sempre nova, para o momento novo. Não inclui somente palavras, mas principalmente ações que sintonizem o sentido cósmico. Neste sentido o ideal é que cada um não fizesse preces, mas vivesse em prece, através de pensamentos, ações, palavras e sentimentos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Espiritismo, Literatura e o Nosso Tempo

Avaliar o tempo em que se vive é sempre uma tarefa árdua e de certa forma fadada ao fracasso, uma vez que estando influenciados por nossa própria época acabamos por comprometer uma busca pela imparcialidade. O ideal é sempre uma análise mais distante, futura, onde o transcorrer dos anos permite enxergar de maneira mais adequada como as coisas realmente aconteceram. Mas isso não impossibilita que continuemos a indagar e refletir nosso contemporâneo, buscando respostas para entendê-lo. Mesmo que comprometidos com ele e por isso construindo uma visão parcial, muitas vezes as respostas são surpreendentemente satisfatórias.
Conversando esses dias com uma amiga estivemos juntos pensando um pouco na literatura dos dias de hoje e no que ela reflete nossa sociedade. Se voltarmos no final do século XIX iremos perceber que predominavam os romances psicológicos, muito fortes na literatura russa e com ecos em outras partes do mundo, como é o caso de Machado de Assis no Brasil. Já no início do século XX parece haver duas correntes literárias principais que se desdobram a partir de autores consagrados. De um lado surge, com Kafka, o absurdo como lógica da vida, que se repercute em autores como Jorge Luis Borges e em movimentos como o realismo mágico na América Latina, cujo principal expoente é Gabriel Garcia Márquez. De outro lado surgem as narrativas a partir do “fluxo da consciência”, expressão de William James, manifesta nos romances de James Joyce e Marcel Proust e que se repercutem em diversos autores, como Virginia Wolf, William Faulkner e Oswald de Andrade. Essas duas tendências arrastam-se até o presente, onde começa a haver uma originalidade nos escritos dos autores da atual geração.
Lendo a revista literária norte-americana Granta, que conta com jovens autores e já teve contos de pessoas como Coetzee e Vargas Llossa em início de carreira, é possível perceber um estilo extremamente comprometido com a realidade, com todo seu coloquialismo e com uma linguagem marcada fortemente pela velocidade das imagens do cinema. O curioso é que os contos não versam sobre detalhes do cotidiano que escondem questões de interesse universal, mas numa grande parte das vezes tratam de assuntos autobiográficos, sobre detalhes muito particulares, sendo muito deles contendo fatos desagradáveis. Como disse minha amiga referindo-se a uma crítica que havia lido, estes contos ficam muito presos a especificidades.
Em um de seus poemas Maury Rodrigues da Cruz afirmou: “A incerteza do futuro nos faz demorar sobre as vitórias”. O triste é que na pós-modernidade, há incerteza não só do futuro como também do presente, o que leva as pessoas a se demorarem até mesmo sobre seus fracassos. É como se qualquer registro, positivo ou não, pudesse testemunhar uma existência numa época em que tudo se desfaz rapidamente e existem dificuldades para cada um em construir sua identidade. Assim, narrar do modo mais real possível quaisquer fatos, ainda que insignificantes, oportuniza para o autor um sentido qualquer para a vida, num mundo onde há carência cada vez maior disso.
Diante disso percebe-se o compromisso que o Espiritismo tem em proporcionar através do Centro Espírita um local diferenciado que ensine para cada um a permanência das mudanças, o resgate de valores e a capacidade de cada um em compatibilizar seus anseios com toda organização natural e cultural que o cerca, onde a literatura possa sempre significar um chamamento para um segundo olhar sobre a existência.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Espiritismo e Homossexualidade

Após uma breve pausa de final de ano pretendo estar atualizando quase que diariamente este blog. Agradeço a visita de todos.

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No meio espírita parece ser a norma taxar o homossexualismo de desequilíbrio, desvio ou de qualquer outro eufemismo que queira na verdade salientar implicitamente o homossexual como aberração, como pervertido. E como o Centro Espírita busca se colocar aberto a todos não resta outra saída senão receber em seu espaço também os homossexuais, mas cuidando sempre de enxergá-los como pessoas menores necessitadas de apoio e auxílio. Essas idéias não chocam se observarmos a série de livros psicografados no Brasil, propagando esse senso comum sobre o homossexualismo, isentos de avaliação crítica, onde o caráter de psicografia autoriza uma verdade absoluta. Mesmo nas obras da codificação ou na de autores como Léon Denis encontra-se mensagens que sustentem argumentos como os acima descritos. Mas aí o que falta é uma análise hermenêutica do tempo histórico, político, social e cultural. Na verdade o que essas opiniões sobre homossexualismo ressaltam é uma ignorância profunda da filosofia doutrinária espírita, bem como o de uma completa incapacidade de interpretar fatos recorrentes a partir de entendimentos e conceitos novos.
Se a relação básica entre os seres humanos é de amor, como Kardec ressaltou avaliando a partir de um critério lógico a mensagem de Cristo, este pode se manifestar sobre diversas formas. Para que ele seja efetivado deve estar amparado pela construção do conhecimento, onde sua legitimidade se faz na valorização do outro e da vida, dentro de um equilíbrio harmônico e sustentado numa lógica conjuntiva. Por isso, o amor tem um caráter transdisciplinar, uma vez que é uma essência manifesta em diferentes existências.
O que contraria o amor é a banalização do outro, sua utilização para fins particulares. Neste caso toda e qualquer relação de devassidão, libertinagem e com vistas exclusivas ao prazer da matéria nega o exercício do amor, comprometendo o crescimento evolutivo. Neste caso se for comprovado estatisticamente que há maior libertinagem entre homossexuais, deve-se criticar este comportamento e não o homossexualismo em si. Associar a devassidão ao homossexualismo incorre em uma falácia lógica, uma vez que tal comportamento também é verificado entre heterossexuais. O que pode ser feito é avaliar sociologicamente o motivo pelo qual homossexuais tenderiam a ser mais devassos, o que não exclui a possibilidade de se encontrar diversos casais homossexuais que contribuam mutuamente para um crescimento e realizem uma relação de dignidade e defesa ampla e integral da vida, expressando desta forma o amor. Com isso é possível concluir que o homossexualismo também é uma forma pela qual o amor pode se manifestar.
O Espiritismo não deve condenar ou defender o homossexualismo em si, mas fazer avaliação dos valores que sustentam uma relação. Se forem de dignificação da vida são positivos, independente da forma em que se manifestem. Portanto, não se pode julgar o homossexualismo, mas sim relações homossexuais a partir dos valores que a edificam, o que significa que afirmar o homossexualismo como aberração ou desvio reflete desconhecimento grave da filosofia espírita.