sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Súmulas Espirituais

Eu tenho falado muito nos últimos textos sobre as posturas que adotamos e em como deveríamos nos esforçar em agir mediante as referências espirituais em contrapartida daquelas ditadas pela cultura. Este tipo de afirmação pode suscitar dúvidas quanto ao conteúdo das referências espirituais. Quais seriam elas e como encontrá-las?
Primeiramente deve-se colocar que elas não são referências prontas e estáticas, as quais bastaria consultar tal qual um livro datado. Se assim o fosse, representariam uma ditadura de comportamentos que não se adaptam as novas condições existenciais. As referências não são prontas, mas devem ser construídas e interpretadas por cada indivíduo singular no seu cotidiano concreto. Entretanto, há sinalizações que indicam quais referências são corretas, espirituais. São todas aquelas que promovem o indivíduo e o meio em que está inserido, sem acarretar prejuízo para ninguém. As referências espirituais são aquelas, portanto, que preservam um sentido de pertencimento ao conjunto da vida, potencializando cada singularidade e a totalidade a que ele pertence.
Todos temos impressos dentro de nós, espíritos que somos, essas referências. Entretanto, em cada época surgem indivíduos mais preparados que expressam súmulas para contextualizarmos a nossa realidade. Assim, encontramos várias sentenças que expressam as referências espirituais:
-Quando Jesus diz: "Amar o próximo como a si mesmo";
-Quando Sócrates diz: "Só sei que nada sei";
- Quando Shakespeare diz: "Se todos fossemos tratados como merecessêmos, quem escaparia ao chicote";
- Quando Gandhi diz: "Tudo que é conquistado pela violência só pode ser mantido pela violência".
E há tantas outras, bastando atentar para os grandes pensadores e sábios de todas as épocas. Nenhuma destas súmulas representa um pensamento fechado, mas uma orientação para que cada um de nós consiga deduzir para suas necessidades o melhor comportamento a ser adotado.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Rebeldia pelo Conhecimento

Ao longo do tempo, principalmente no decorrer do século XX, muitos jovens buscaram romper com seu meio social arregimentando-se contra o "sistema" e propondo modos de vida alternativos. Pintaram e rasparam os cabelos, usaram roupas rasgadas, pregaram o amor livre, fizeram uso de drogas as mais variadas, incitaram atos de violência, chocaram de todas as formas, etc. Enfim, propuseram medidas quase que sempre radicais ou até ingênuas demais. E apesar da falta de resultados que isso ocasionou, ou até mesmo dos desastres cometidos, esta prática parece continuar mais ativa do que nunca. Se você assistiu "Transpoiting" ou já usou o Orkut ("Se nada der certo eu viro hippie" é uma das comunidades com maior número de membros) sabe do que eu estou falando. É imposta uma lógica rasteira, absurda: se você não quer fazer parte do "sistema" e se sentar em frente a um televisor de 30 polegadas enquanto engorda comendo chips, então é melhor apresentar um comportamento dementado qualquer, vivendo na marginalidade, sujo, cheio de entorpecentes e fazendo "comunhão" com a Natureza.
Há muito mais opções quando não se quer viver no raso da cultura pronta. Dentre as várias possibilidades acredito que o conceito de vontade piagetiano é o que mais se afiniza com a proposta espírita: dispender energia para agir mediante o que se alcançou pelo conhecimento vencendo os apelos imediatos biológicos e culturais. Agindo pelo conhecimento e pela busca crítica da verdade existe sempre uma possibilidade mais efetiva de enquadramento com o sentido harmônico da vida, alcançando-se uma postura transcendente à cultura pronta de massa sem com isso precisar adotar um comportamento de Tarzan.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Crenças e Orientações

Há pessoas que simplesmente não acreditam em Deus e ponto. E pensando bem dá mais trabalho acreditar do que apenas ignorar sua existência. O problema é que muitos imaginam que os ateus, pelo fato de não acreditarem em Deus, são pessoas destituídas de quaisquer valores morais e que sentem que tudo lhes é permitido. Grande engano! Existe uma série de ateus que defendem uma ética humanista pronta para defender e valorizar o ser humano. Além disso, há uma série de religiosos e crentes em Deus que agem por motivos completamente contrários às suas crenças, não deixando de se portar como pessoas completamente amorais ou imorais.
O que parece unir tanto religiosos quanto ateus é o fato de a grande maioria deles agir mais pelo comodismo do que por suas crenças, de modo que não há ateus muito niilistas ou religiosos muito convictos. Ambos não avaliam criticamente seus pressupostos e parecem agir da maneira que lhes é mais conveniente. Assim, não encontramos indivíduos dispostos a tudo fundamentados na verdade em que alcançaram, mas pessoas que se esconderam atrás de vidas medíocres para que não tenham muito que se preocupar com o real sentido de suas vidas. Arranjam o casamento mais simples, o emprego mais razoável e os hábitos mais comuns e condizentes com suas culturas. Não que haja algo muito errado nisso, pois todo ambiente proporciona muito aprendizado. O grande problema é que muitos se escondem nestas práticas diárias de modo a amortecer um sentimento interno espiritual que sempre nos provocaa evoluir e buscar o novo.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Nossas Certezas

As nossas convicções não devem representar uma camisa- de -força que reduzam toda a realidade a um modo único e possível de interpretação. Mas devem servir para fundamentar uma interpretação sendo flexíveis no tempo e no espaço, além de poderem ser descartadas e trocadas quando se mostrarem insatisfatórias.
Mesmo aquelas convicções que nos são mais certas devem ser permanentemente renovadas. É quando passamos por uma crise ou dificuldade que se percebe a necessidade de dinamizar ou não uma certeza.
Quando passamos por um problema, as vezes questionamos os recursos que temos para resolvê-lo. Questionamos se as convicções que nutrimos servem para superar as dificuldades que se apresentam. E o que pode ocorrer, não é abandonar a convicção, mas de refiná-la tornando-a mais aprofundada, clara e funcional. Tanto isso é verdade que quando estamos em dificuldades recorremos a pessoas que tenham crenças próximas as nossas, como se quiséssemos com isso, no encontro com o outro, reforçar nossa própria convicção. Só que como o olhar do outro sobre o que consideramos certo é diferenciado, faz com que reavaliemos nossas certezas, modifcando-as e fazendo crescimento.
Em algumas situações, nós espíritas, podemos questionar, por exemplo, a reencarnação. E isto é bastante salutar, pois ao nos indagarmos sobre ela e realizar um processo crítico processual conseguimos ver pontos cada vez mais profundos e que nos respondem de forma cada vez mais eficaz. Por isso é imprescindível a coragem permanente de, quando confrontados com a realidade, saber alterarmos e revitalizarmos nossas convicções.

domingo, 26 de outubro de 2008

A Força dos Encarnados

Estou lendo "Sepultando meus Mortos" de Humberto de Campos. É uma coletânea de crônicas que versam sobre a vida e o falecimento de algumas pessoas importantes com que Campos conviveu. Eu não tenho nada a dizer sobre a vida ou a morte de uma pessoa importante justamente porque não conheço pessoas importantes. E também não conheço pessoalmente ninguém que conheça pessoas importantes. Aliás, chego a duvidar fortemente de que ainda existam em nosso país pessoas importantes. Carentes que estamos de tudo hoje, também penso que nos faltam muito os intelectuais. Já não os temos. E prova disso é que consideram como intelectuais pessoas como Arnaldo Jabor, Caetano Veloso e Jô Soares.
Mas se por um lado pode-se dizer que já não há pessoas importantes, também podemos dizer que na verdade todas as pessoas são importantes. Todos, por mais insignificantes e recolhidos que pareçam, tem uma importância extraordinária. Não há nada mais fascinante que o ser humano. Cada anônimo que cruza nosso caminho é por si só um universo de histórias.
O ser humano pertence à natureza mas a transcende na medida em que alcançou o livre arbítrio. Na natureza, por mais caótica que possa parecer, existe uma ordem subjacente que a regula. Sempre no melhor caminho, sem desperdício, com a maior economia e lógica possível. Já o ser humano nem sempre segue um roteiro bem trabalhado. Ele extrapola, desperdiça, gasta, erra, torna a errar e choca na exata proporção com que consegue desviar-se. Mas é justamente quando parece perdido que manifesta o Creador dentro de si, expressando que há algo mais interno lhe sensibilizando e que sempre é tempo de transformação. As leis que regulam a natureza são naturais. As que regulam os seres humanos são morais. Por isso que é tão belo cada história de vida, pois é a partir de cada uma que se revela um traço diferenciado da inteligência da Creação. É comovente ver alguém vivendo 20 anos nas drogas querer mudar, mesmo que torne a se perder. Ou ver alguém há anos deprimido de repente ter forças para recomeçar. Ou ainda, ver alguém há muito tempo estagnado voltar a estudar ou coisa parecida. Não há nada mais importante - ou não deveria haver - para o Espiritismo do que o espírito encarnado.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Lógica e Espiritismo

Princípios básicos de Lógica
A lógica tem por função observar o encadeamento entre afirmações e avaliar se há conexões pertinentes entre elas. Também permite avaliar se determinada conclusão pode ser derivada de certas premissas (ou afirmações).
Exemplos
Se alguém afirma que os políticos brasileiros são corruptos porque a população brasileira é corrupta têm de oferecer argumentos para se justificar. E estes argumentos devem estar ligados logicamente para sustentarem a conclusão. Não cabe à lógica verificar a verdade de cada afirmação, apenas atentar sobre os conectivos que unem as sentenças.
Lógica e mentalidade brasileira
Os currículos escolares brasileiros estão completamente defasados com relação à vida concreta dos indivíduos, de modo que parecem mais interessados no ensino dos logarítmos do que das principais questões existenciais que nos afligem. Se entre uma aula de trocas bioquímicas e outra de aceleração centrípeta os jovens alunos tivessem aulas de lógica voltada para suas vidas, quem sabe talvez não fosse tão manipulados pelos comerciais, desenvolvessem mais seu senso de justiça e moral e soubessem suportar mais adequadamente os desafios que lhe são impostos.
Espiritismo e lógica
Kardec estudou muita lógica, sendo dela exímio conhecedor. Tanto é verdade este fato que toda a obra da codificação foi construida a partir de conceitos logicamente conectados. Portanto, para melhor entender o Espiritismo hoje, e a moral dele decorrente, se faz necessário dominar alguns princípios da lógica. Isto acontecendo só beneficiaria o entendimento espírita como bloquearia pensamentos e afirmações que deduzissem da existência dos espíritos desencarnados o domínio intransponível desses nas ações dos encarnados, por exemplo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Missão Reencarnatória

Quando desencarnados nos propomos, ao encarnar, a realizar uma série de transformações internas com o fim de nos revelarmos a nós mesmos cada vez mais. Mas, se este processo fomenta nos conhecermos em profundidade cada vez maior, sendo portanto uma ação interior, qual a necessidade que temos de encarnar e conviver com os outros?
Quando encarnados passamos à esfera do tempo e, nessa condição, nos tornamos altamente decadentes, no sentido que a partir do momento em que nascemos já estamos nos degradando e morrendo, nos tornando, assim, extremamente dependentes uns dos outros. E é nessa interdependência com os outros que expressamos alguns dos valores internos que alcançamos ou nos mobilizamos para expressar aqueles que ainda não conquistamos. Desta forma, o amor é um sentimento que só existe numa relação, é resultado e propriedade emergente da trocas entre indivíduos singulares. E embora o amor surja em decorrência do encontro com o outro, o seu entendimento, seu alcance e materialização depende do autoconhecimento de cada um e da autodisciplina particular para sua efetivação.
Desta forma, cada um reencarna com uma missão particular de efetivar mais amplamente o que alcançou e de se disciplinar para aperfeiçoar aquilo em que é limitado. Sendo assim, não há missão fechada. Cada um pode corrigir sua rota no decorrer do caminho, havendo uma missão genérica a todos: ser feliz fazendo os outros felizes.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Olhares sobre a Mediunidade

Uso e Função
A mediunidade têm sido vista por uma boa parte de pessoas, espíritas ou não, num sentido imediato de uso. Ou seja, enxergam na comunicação mediúnica uma possibilidade de interesse imediato com objetivos, no mais das vezes, particulares. Procuram "notícias" de seus entes queridos que desencarnaram ou esperam favores e/ou conselhos espirituais.
A Função é Maior do que o Uso
Sem que percebam, ao fazer este uso da mediunidade acabam por diminuí-la. É curioso o aspecto fantástico que atribuem à capacidade mediúnica, mas se ela fosse avaliada na sua verdadeira função se mostraria mais forte e natural do que a dimensão que representa hoje. A mediunidade tem uma função promotora da qualidade da vida humana. Entretanto, o uso que as pessoas fazem dela nem sempre condiz com essas finalidades.
Mediunidade e Evolução
A mediunidade está presente em todas as transformações significativas e revolucionárias da história humana. Futuramente, quando for melhor estudada, vai ser variável permanente em qulaquer estudo de caso acerca de inflexões no processo evolucionário da Terra. Não vai ser vista só como comunicação entre encarnados e desencarnados, mas como instrumento de manutenção da vida, na medida que une todos os espíritos por pensamentos e objetivos comuns.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Linguagem Espírita

Existe uma série de palavras utilizadas pelos espíritas que tenho aversão. Algumas delas inclusive já as devo ter usado, até mesmo neste blog. Isto só prova que qualquer instituição possui um currículo oculto cujo trabalho pedagógico é capaz de formar de maneira implícita uma maneira de enxergar o mundo, liberando ou interditando o que pode ou não ser dito, ou como deve ou não ser dito. Os Centros Espíritas não fogem à regra e também nos condicionam pelo vocabulário um modo de enxergar a realidade.
Linguagem
Todas as palavras são carregadas de sentidos socialmente construídos. Os vocábulos que utilizamos mediam a realidade em que vivemos oferecendo um sentido para nossas existências.
Arcaico
Uma das palavras que me causa ogiriza e que é muito utilizada pelos espíritas é seara. Não sei o motivo pelo qual ela me irrita tanto. Talvez seja implicância. Mas talvez seja porque ela carrega todo um ranço arcaico de vocabulário espírita que não permite o Espiritismo em evoluir no tempo e espaço.
Aderência
Os jovens chegam aos Centros Espíritas com algumas necessidades e expectativas e as vezes as propostas escolhidas não fazem aderência com suas vivências. Falar em seara com alguém que têm uma linguagem ultra rápida e dinâmica é no mínimo improdutivo.
Dos males o menor
Entretanto há um mal maior na insistência de termos já ultrapassados por alguns segmentos espíritas: a insistência no decadente que impede a renovação. Enquanto a ciência e a filosofia falam em complexidade, transdisciplinaridade, ética planetária, os Centros Espíritas falam em quê?
Sagrado;
Divino;
Jubiloso;
Paraíso;
Seara.
Pensemos que visão de mundo encerram estes termos.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Encarnados e Desencarnados

Gostaria de propor que todos nós espíritas, eu incluso, refletíssemos um pouco sobre o que temos pensado sobre os espíritos. Hã? Como é que é?

Sim senhor!
Um dos pressupostos das crenças espiritistas é acreditar na existência e comunicação com os espíritos desencarnados. OK! Mas como temos pensado neles? Visto o que se publica por aí as respostas não são nada positivas.

Desencarnados sabem de tudo.
É como se de repente imaginássemos que alguém quando desencarna, independente da construção moral que tenha feito encarnado, passasse a ter acesso permanente a nós e mais, saber tudo sobre nós. Daí, para os espíritos desencarnados alcançarem um status de conselheiros infalíveis é um passo.

Mágicos
Os desencarnados, ao contrário dos esforços de Kardec, se tornam:
infalíveis;
extranaturais;
absolutos;
constantemente presentes;
sábios profundos.

Tchau Livre Arbítrio
Ninguém por desencarnar torna-se expoente no que foi limitado. No máximo expande um pouco a consciência e nos enxergando de fora pode ter uma visão mais confortável para nos orientar. Mas entre isso e saberem mais do nosso vínculo com o Creador e a Creação do que nós mesmos há um abismo intransponível. Delegar a eles nossos futuros e escolhas é abrir mão do nosso exercício crítico do livre arbítrio.

Argumento da autoridade
Tudo bem! Alguns espíritos realmente alcançaram condições possíveis de nos instruir e nos provocar a avançar. Mas a sua instrução deve ser avaliada hermeneuticamente tal qual um pesquisador avalia os autores referenciais das suas teses. Nada de justificar uma verdade apenas porque um espírito desencarnado falou. Nada de autoridades indiscutíveis, nada de palavras absolutas, nada de...opa! Dogmáticos são eles, os outros. Nós, não! Somos críticos e hermeneutas. Sei!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Onde Estarão os Espíritas?

Algumas coisas são curiosas. Se pegarmos alguns dados indicativos do IBGE no Brasil colhidos nos inícios dos anos 2000 iremos encontrar dentro de um universo de quase 170 milhões de habitantes apenas pouco mais de 2 milhões de espíritas confessos.

* * *

Este fato se torna ainda mais curioso se observarmos a relevância que tem o Espiritismo em nosso país, desde o número de publicações as mais variadas possíveis (uma grande parte de qualidade discutível), passando pela quantidade de Centros Espíritas e o espaço com o qual suas temáticas ocupam algumas mídias. Também é válido lembrar que recentemente um filme de qualidade pífia e enredo frágil e cambaleante, "Bezerra de Menezes", pelo simples fato de possuir um caráter pretensamente espírita atingiu boas audiência apesar de suas limitações orçamentárias e suas deficiências de divulgação.

* * *

Os brasileiros quando questionados em pesquisas mais informais sobre a crença na reencarnação surpreendem nas respostas, sendo o Brasil um país de maioria católica: mais de 50% acreditam neste fenômeno.

* * *

Diante desta situação só nos resta perguntar e entender o motivo pelo qual há poucos espíritas manifestos num país em que as idéias e conceitos espíritas estão tão disseminados. Muitas são as explicações: a herança católica que condiciona boa parte a se afirmar como católico mesmo que não saiba mais o que é frequentar uma missa; o sincretismo em nosso país que faz com que não exista muito bem definido para o praticante de determinada religião quais os pressupostos de sua crença, podendo haver, assim, católicos reencarnacionistas; o status fundante católico que se manifesta em quem produz pesquisas de opinião pública inconscientemente manipulando a pergunta para obter o resultado católico; o preconceito e o constrangimento que ainda inibem algumas pessoas de se afirmarem espíritas.
Podem existir vários outros motivos que expliquem um número tão tímido de espíritas em solo brasileiro. Mas o resultado do IBGE também pode sugerir outras reflexões. Pode-se imaginar que já que tão poucos tem a coragem de se manifestar espíritas, estes seriam, pelo menos, convictos e fundamentados na crença. Ou seja, se não há força quantitativa pelo menos existe qualitativa. Nada mais falso! Eu chego a pensar que grande parte dos espíritas declarados chega a descontribuir para o próprio Espiritismo, haja visto suas manifestações e expressões completamente incoerentes com o propósito espírita. Diante disso resta fazer um apelo para aqueles que levam os objetivos espíritas a sério a se manifestarem coerentemente aproveitando uma certa aceitação de alguns conceitos do Espiritismo pelo povo brasileiro para crescer - e aí sim - quantitativamente e qualitativamente.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

As Referências Espíritas

As pessoas costumam chegar até os Centros Espíritas pelos motivos os mais variados possíveis. Alguns por curiosidade com relação aos fenômenos espíritas. Outros pela insistência de terceiros. Uma boa parte interessado em se aprofundar no estudo da Doutrina Espírita. E a maior parte, pela dor: uma doença, a perda de um ente querido, o término de um relacionamento, a perda do sentido da vida, etc. Estes últimos costumam chegar desacreditados em muitos e enxergando no Centro Espírita um último local de salvação, um ambiente que trará a solução imediata para os seus problemas.
A grande crise surge quando são orientados no Centro Espírita a se transformarem para transformar suas condições de vida. E aí recebem uma série de aconselhamentos, indicações, referências e motivações para se autoconstruírem mediante a construção de novos conhecimentos. O grande problema decorre que a maioria das pessoas que chegam com problemas já tem um cotidiano bastante atribulado para além disso terem de pensar em se reformarem, em evoluir pelo conhecimento, em se tornarem pessoas melhores, mais pacientes, mais harmonizadas com o Cosmos. Isto acontece porque foram condicionadas a agir e responder mediante as referências da cultura, de forma que se forem cortados no trânsito não podem levar desaforo para casa, mas sim revidar e se impor. O conhecimento da cultura pronta também ensina que o mundo é dos espertos, portanto se deixar corromper no trabalho em troca de benefícios se torna natural, posto que outra pessoa nas mesmas condições faria o mesmo.
O Espiritismo busca demonstrar que é justamente no nosso cotidiano concreto que devemos contextualizar as referências do Centro Espírita para que possamos nos transformar e nos adaptar mais harmonicamente às novas condições. Uma boa parte das pessoas se esquece disso e só se lembra de ser espírita no Centro Espírita, quando o grande desafio do Espiritismo é fornecer recursos e subsídios para que cada um singularemente suplante seus desafios e faça crescimento pessoal. O problema é que muitas vezes as referências espíritas são contrárias aquelas da cultura, pelas quais nós já estamos condicionados. Para ilustrar este fato vamos resumir a seguinte estória do escritor dinamarquês Hans Andersen que, dentre outras obras, notabilizou-se pelo Patinho Feio:
Havia num reino um rei extremamente vaidoso que exigia de seus alfaiates os mais belos trajes, cravejados das jóias mais belas possíveis. Entretanto, já fazia um tempo que o rei sentia-se entediado uma vez que seus alfaiates já não tinham mais criatividade para lhe fornecer algo diferente e original. Foi por esta época que apareceu neste reino um alfaiate que se apresentou ao rei dizendo que faria a mais bela roupa que monarca algum em tempo algum houvesse vestido e que para tanto necessitava do maior número de ouro, jóias, diamantes. O rei mais do que depressa forneceu tudo ao desconhecido ansioso por suas novas roupas. Passado um mês, sem que nada estivesse pronto o rei resolveu ir pessoalmente com seus ministros procurar pelo alfaiate. Chegando em sua sala o alfaiate disse ao rei que ali, sobre a mesa, estava o mais belo traje já feito por mãos humanas. O rei olhou na mesa e nada viu, e antes que se manifestasse o alfaiate advertiu: - Este traje é tão especial que só as pessoas sábias conseguem enxergá-lo. O rei, para não passar vergonha diante de seus ministros, elogiou na hora a roupa e foi vesti-lá. Voltou nu, mas todos os seus ministros afirmavam que era a mais bela roupa que haviam visto. A história se espalhou pelo reino e o rei desfilava nu pelas ruas e todos afirmavam que ele estava com a mais pomposa das roupas. Um dia, o rei desfilava pela cidade, sendo ovacionado pelo povo quando um menino, inocentemente, gritou: - O rei está nu. Esta frase criou o maior constrangimento para todos, sendo que o rei se desculpou com todos por sua vaidade e por ter sido enganado pelo alfaiate, prometendo dali em diante agir em nome de seus súditos.
Esta estória possui inúmeras leituras, cabendo uma ao nosso contexto. Muitas pessoas no começo sabiam que o rei estava nu, mas por conveniência disseram que ele estava belamente vestido. Talvez com o tempo, pelo treino e pela disciplina, passaram a ver o rei vestido. Isso acontece com muito de nós. Muitos afirmam um prazer enorme em fumar e se sentem dependentes deste vício. Mas eu duvido que alguém ao fumar pela primeira vez tenha sentido prazer. Pelo contrário, deve ter tossido ou sentido enjôo. Mas como todos fumam, ou para o adolescente aquilo significa auto-afirmação, a pessoa vai fazendo um treino, fumando cada vez mais, até que passa a sentir prazer. Da mesma forma, tenho certeza que uma pessoa ao ser chamado a primeira vez para transviar no seu emprego sente-se mal, indeciso. Mas, como o mundo é dos espertos, se disciplina e treina para aquilo, passando a não sentir mais constrangimento interno nenhum.
A proposta do Espiritismo é justamente provocar um treino contrário: ao invés de nos disciplinarmos pelos valores prontos da cultura, que tal treinarmos para agir mediante aquilo que alcançamos pelo conhecimento. Em ambos os casos vamos adquirir gosto e manejo nos comportamentos em que adotamos. Só que temos de ver o seguinte: somos essencialmente espíritos vivendo num contexto material, onde a nossa grande busca é viver os valores espirituais na materialidade. Assim, sempre que nos disciplinarmos em torno das refêrências espirituais estaremos nos harmonizando com nossa própria essência.
Gandhi, em certo momento de sua vida, decidiu viver tão somente baseado na verdade que alcançasse. Mesmo nas situações que lhe oportunizassem um benefício imediato mentindo, ele não o fazia querendo provar que ao viver a verdade os desdobramentos a longo prazo sempre seriam positivos. E assim o provou.
Então, a nossa grande busca é vencermos a nós mesmos, seja não revidando no trânsito, não tergiversando no trabalho, ou treinando para abandonar vícios.
O espírito Leocádio José Correia, pelo médium Maury Rodrigues da Cruz, disse certza vez: "O homem materialista materializa a alma. O homem espiritualizado epiritualiza o corpo".
Ao frequentar os Centros Espíritas que tenhamos todos nós a coragem para viver os valores do espírito e saber apontar para nós mesmos, quando necessário, que o rei está nu.