Têm sido comuns as obras em favor do ateísmo e contrárias às religiões de modo geral. Evidente que isto contribui para um pluralismo de idéias e um debate mais profícuo acerca da contemporaneidade. Dentre os vários livros lançados um ganhou bastante destaque tornando-se best-seller em alguns países: Deus – Um Delírio, do zoólogo Richard Dawkins. Li com bastante atenção este livro e confesso que pensei muito tempo se deveria ou não menciona-lo neste espaço. Por mais humilde que seja esta coluna lançar qualquer luz sobre Dawkins é promover justamente o que ele deseja: estar sob os holofotes. Para quem tem acompanhado um pouco de sua trajetória nos últimos anos já sabe que entre a exposição à mídia com busca pela popularidade e o comprometimento sério com a atividade científica ele já parece ter deixado claro sua posição. Não que seu livro seja totalmente ruim. Pelo contrário. Há pontos bastante importantes, assim como diversos outros descartáveis. Lastimável é a forma como conduz sua narrativa, negando durante o processo o seu próprio objetivo de fornecer uma alternativa científica contra a religião. Se os usos da ironia e do deboche fazem de sua leitura mais agradável, interdita qualquer reflexão mais séria e realmente científica sobre ela. Mas parecem ter atendido às expectativas do autor, sendo que ele é citado hoje em algumas listas como um dos maiores intelectuais vivos da humanidade. Cada um tire suas próprias conclusões. Vamos à obra em questão.
De positivo Deus – Um Delírio rompe com a falsa idéia de que questões religiosas são intocáveis, sendo que em inúmeros casos essa imunidade contra opiniões camufla uma série de crimes e atitudes estapafúrdias em nome de alguma divindade. Assim, o autor aproxima o fundamentalismo cristão norte-americano ao talebã afegão, demonstrando como a atual mentalidade religiosa nos Estados Unidos compromete muito dos princípios democráticos construídos na sedimentação de sua república, inibindo a liberdade de imprensa sobre certos assuntos. Além disso, Dawkins acerta quando apresenta um ateísmo humanista, colocando como mesmo a pessoa não possuindo uma religião várias são as referências para que possa conduzir-se adequadamente na convivência com os outros. Isto anula a sentença de Raskolnikov de que se Deus não existe tudo é permitido. Haja vista o exemplo de ateus ilustres, como Bertrand Russel, por exemplo.
A obra de Dawkins se mostra falha em diversos aspectos. Primeiramente busca se utilizar da autoridade científica do autor para legitimar suas idéias, como se tudo o que estivesse escrito fosse de caráter científico. Um absurdo! No único capítulo em que se apresentam evidências científicas para uma probabilidade muito alta da não-existência de Deus, são utilizadas idéias que, longe de serem consenso na comunidade científica, são, pelo contrário, bastante controversas. Dawkins adentra um campo que, sendo desconhecido por grande parte das pessoas, é possível se falar qualquer coisa que será tomada pelo leigo como verdade. Outro erro capital do zoólogo é não separar religião de Igreja, de forma que coloca todas as crenças no mesmo balaio (não vou me estender neste ponto por que isso será assunto de uma próxima crônica). Também é gritante seu desconhecimento de Antropologia, sendo que já foram demonstradas várias pesquisas de como a religião pode condicionar o pensamento das pessoas de modo a controlar suas reações e disposições. É claro que um mundo em que as pessoas adotassem valores humanistas seria muito melhor. Mas seria inocência pensar que as pessoas simplesmente trocariam de crenças como quem troca de roupa. Outra falha antropológica foi ignorar qual função representou o pensamento religioso na gênese da humanidade.
De modo geral o Espiritismo permaneceu imune a todas as críticas (como sempre permanece nas críticas religiosas). Desde Laplace (que teria respondido a Napoleão Bonaparte que não tinha mencionado Deus em uma de suas obras por não ter precisado desta hipótese) muitos propagam que a ciência é a atividade humana num mundo em que Deus não existe. O espiritismo não comunga desta idéia e fornece argumentos interessantes para tanto. Com isso não se quer afirmar que as teses espíritas estão acima de qualquer crítica. Pelo contrário. Lamenta-se que poucas pessoas mencionem o Espiritismo na forma adequada de seus princípios. No final do século XIX o médico e pesquisador russo Aksakof escreveu mais de 700 páginas que resultaram na monumental obra “Animismo e Espiritismo” em resposta as críticas do filósofo alemão Eduard von Hartmann. No prefácio Aksakof se dizia contente por finalmente ter tido a oportunidade de ler e refletir acerca de críticas bem elaboradas ao Espiritismo por pessoas externas a ele. Oportunidades como essas são raras. Primeiro porque normalmente as críticas religiosas ignoram o posicionamento espírita. Segundo porque, quando o fazem, o fazem com um desvirtuamento completo das concepções espiritistas.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
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3 comentários:
Parabens gurilherme!!!!!
Muito boa sua ideia de criar este blog, o qual nos brinda com comentarios muito pertinentes sobre assuntos muito interessantes!!
um abraço
Gulherme,
Pertinente seu comentário sobre a ausência de referências à Doutrina Espírita!Ela exige estudo e reflexão, e poucos tem essa disposição para busca-los.E, quando o fazem, se curvam diante da lógica e da simplicidade que lhe são características.
Parabéns pelo blog, porque sucesso ele já é!!
Beijinho
Cris
Guilherme,
Interessante seu artigo sobre o ateu Richard Dawkins. Acho que um bom ateu para ser respeitado é no mínimo um humanista, portanto deve sempre respeitar as convicções das pessoas. Se a maioria da Humanidade acredita em Deus não pode ser um delírio,porém, desde que quem crê saiba distinguir o Deus Creador do deus criado pelo homem. Sugiro ler o Tratado de Ateologia de Micel Onfray.Talvez essa onda de ateísmo que tem atualmente o principal núcleo na Europa seja reflexo, como diz Onfray, pelo ódio às Luzes que os três principais monoteísmos impuseram à Humanidade.
Abraços
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